Estabelecida no Brasil desde 1919, a Ford Motor Company até meados dos anos 60 produzia somente caminhões e as picapes F 100. O cenário começou a mudar em 1967, quando ela lança seu primeiro carro de passeio em solo verde e amarelo – o Galaxie 500. No ano anterior a empresa do oval azul adquire o controle acionário da Willys-Overland do Brasil. No reino dos Fuscas, nem só os veteranos Rural, Jeep, Aero, Itamaraty e Gordini vieram na bandeja que a Ford recebeu quando assumiu a Willys do Brasil. Brilhava entre eles uma pedra preciosa já quase lapidada. Era um carro médio em fase final de testes, conhecido internamente como Projeto M.
Antes de serem lançados, vários protótipos foram testados exaustivamente pela Ford. Os testes tinham como base garantir que o motor, caixa de câmbio e suspensão estariam aptas a suportar as mais severas condições do piso e qualidade de combustível em solo brasileiro. Dois protótipos também foram levados à França e aos Estados Unidos para ensaios. Já o departamento de marketing aproveitou a trilha do galopante de sucesso do Mustang na Terra do Tio Sam, assim resolveu apostar novamente nos cavalos e o batizou de Corcel.
A produção seriada começou em setembro de 1968 na unidade de São Bernardo, SP, e em novembro era lançado oficialmente o Ford Corcel, em versão sedã de quatro portas no VI Salão do Automóvel, no Palácio de Exposições do Anhembi. No mesmo evento era lançado seu único concorrente direito, o Volkswagen 1600 quatro portas, que seria apelidado de “Zé do Caixão” devido às forma da carroceria e às maçanetas cromadas.
O Corcel estabeleceu um novo padrão para carros pequenos e médios nacionais. O motor de quatro cilindros em linha tinha 1289 cm³ e usava comando de válvulas no bloco e era dotado de cinco mancais. A potência era de 68 cv e torque máximo 10,4 m.kgf, acoplado a um câmbio de quatro marchas, a velocidade máxima era de 130 km/h, desempenho discreto para o peso de 930 kg.
Em março de 1970 era lançada a perua Belina. Como de praxe foi oferecida somente em versão de duas portas, embora a Ford também tenha cogitado o modelo de quatro portas, que inclusive chegou a ser fotografado pela imprensa automotiva. Trazia um amplo porta-malas e como opcional bagageiro de teto. Na Belina o tanque de combustível era maior, de 63 litros, ante os 51 litros do sedã.
No decorrer dos anos seguintes a Ford fez pequenas mudanças na linha Corcel. Em 1973 a dianteira ganhou uma nova grade com frisos verticais, o logotipo do cavalo ao centro. As luzes de setas migraram da grade e foram reposicionadas abaixo do parachoque. Já as lanternas, ainda que mantidas em posição horizontal, ficaram maiores. Para 1975 é acrescentada à linha a opção LDO, sigla para Luxo Decorativo Opcional. As diferenças ficavam por conta do teto de vinil, grade com frisos verticais e rodas cromadas. A forração interna era nos tons marrom e bege.
Essas seriam as últimas mudanças efetuadas pela Ford no Corcel de primeira geração. De olho na movimentação da concorrência a marca do oval azul já trabalhava para melhorar o seu produto e manter-se firme na disputa.
SEGUNDO PÁREO
No acender das luzes da década de 1970, o mercado automotivo brasileiro já estava maduro. A concorrência já era bem diferente daquela que o Corcel I encontrou quando fora lançado em 1968. Em 1973, a Dodge lança o 1800, modelo que de início não agradou pela baixa confiabilidade. Em 1974 o maior pesadelo da Ford chega ao mercado, tratava-se do Volkswagen Passat, moderno fastback com motor refrigerado a água. Desse modo a Ford não poderia continuar no páreo por muito tempo com seu veterano modelo.
Os estudos para sucessor do Corcel I começaram ainda em meados de 1974. As revistas especializadas fotografam inúmeros protótipos em testes pelas estradas. Em novembro de 1977 era lançado o Corcel II. Com linhas retilíneas, modernas e bonitas, o novo Ford adotava alguns padrões estéticos bastante em voga naquela década, como os faróis e lanternas retangulares. A grade tinha seis lâminas-frisos aerodinâmicas para facilitar a entrada de ar em baixas velocidades e reduzir em altas. O estilo fastback lembrava um pouco o Lancia Beta cupê.
Uma das características que chamavam a atenção eram as dimensões das novas portas, 27 cm maiores que a do Corcel I de duas portas. Elas ultrapassavam um pouco a coluna central para facilitar o acesso aos passageiros do banco de trás. Internamente o carro havia ficado mais requintado com a utilização de novos materiais de acabamento. A ventilação dinâmica também era destaque, já que o ar interno podia se renovado com maior rapidez, pois contava com quatro difusores no painel. No campo da segurança os pneus radiais da série 70 passaram a vir de série e o vidro laminado era item de fábrica, foi o primeiro veículo nacional a adotar tal vidro, que em caso de batidas não estilhaçava.
O modelo era oferecido nas versões simples L; luxuosa LDO, com interior todo revestido em tecido monocromático e aplique que simulavam madeira no painel e por fim a esportiva GT, que trazia faróis auxiliares sob o parachoque, rodas com fundo preto e sobre-aro cromado, volante esportivo de três raios e um pequeno conta-giros no painel. No GT o detalhe esportivo era a carroceria em dois tons separados por um filete vermelho: a parte acima da linha da cintura vinha sempre no tom preto. A ideia não agradou e em 1979 a parte preta ficou restrita à linha inferior da carroceria, abaixo do friso da porta.
Em 1979 chegava o novo motor de 1.555 cm³ com potência de 71 cv e torque de 11 m.kgf, acoplado ao câmbio de cinco marchas, recurso até então disponível somente no Alfa Romeo 2300. A Ford escolheu um escalonamento para o Corcel, no qual havia uma marcha adicional às outras quatro, uma sobremarcha para economia de combustível, mantendo a velocidade máxima em quarta marcha. Em comparação com o motor de 1,4 litro havia um ganho generoso de desempenho: a velocidade máxima saltava dos 135 km/h para 150 km/h, o 0 a 100 km/h passava dos longos 23 segundos para 17 s. Vale ressaltar que o Corcel foi o primeiro modelo a adotar o “1.6”, com ponto em vez de vírgula, o que é incorreto pelo sistema métrico, o usual é denominar em cm³.
Em 1980 era lançada a versão álcool, que tinha como características principais partidas mais rápidas, injetor automático de gasolina e pouca vibração. Para identificar o modelo movido a combustível vegetal havia pequeno logotipo nos para-lamas dianteiros, com a inscrição Álcool e quatro gotas azuis em degradê. Seu desempenho geral era tão bom quanto o do modelo a gasolina e tinha acelerações mais rápidas. Embora menos potente (67 ante 71 cv líquidos), apresentava torque superior, 12,2 contra 11 m.kgf. Ainda em 1980 o Corcel atinge a marca de 1 milhão de unidades produzidas.
Para a linha 1984 o motor CHT é adicionado à linha Corcel II. Lançado no Escort, o CHT era a sigla em inglês para câmara de alta turbulência, fato que o trem de força nada era do que uma evolução do conhecido motor já utilizado no Corcel, retrabalhado nas câmaras de combustão para melhor desempenho e diminuir o consumo. Com 63 cv e 10,3 m.kgf (versão a gasolina) ou 72 cv e 11,9 m.kgf (álcool), o CHT 1,6 era mais potente que o antigo motor no caso do combustível vegetal, que predominava nas vendas na época.
Em 1985 o Corcel II recebeu sua primeira e única reestilização, a Ford adotava uma frente mais inclinada e arredondada, com faróis em forma de trapézio e molduras plásticas laterais, produzindo o efeito chamado “Face Family”. A nova grade tinha seis lâminas. Atrás, as lanternas foram redesenhadas, deixando de ser caneladas e com luzes de direção em tom âmbar, que se tornavam obrigatórias no Brasil.
O Corcel disse adeus à linha de montagem no dia 21 de julho de 1986, quando sua última unidade deixava a planta de São Bernardo do Campo, SP, após 1,4 milhão de carros produzidos (considerada toda a linha). Sua herança, porém, ficaria por bons anos para os outros modelos da Ford, como Del Rey e Belina.
LEMBRANÇAS DE INFÂNCIA
O engenheiro sorocabano João Alberto Sagges Pensa, 43 anos, é um entusiastas de automóveis e de preferência antigos. Ele nos contou que sua paixão pelos veículos antigos começou ainda na infância. “Desde criança os carros antigos já me encantavam, e sempre tive muita curiosidade sobre manutenção de carros, em especial os antigos”, relatou o engenheiro.
Já o Ford Corcel II 1984 que ilustra a reportagem foi adquirido por João Alberto em maio de 2014, após uma longa busca por um modelo que segundo ele marcou sua juventude. “A escolha deste modelo se deve por lembranças da minha juventude, a bordo de um, também, Corcel II que meu pai teve. Um carro que nos trouxe muitas lembranças boas, outras nem tanto, mas que serviu à nossa família por longos anos. Um carro muito valente”, relembra Pensa.
O Corcel II veio rodando de Curitiba até Sorocaba sem nenhum problema. Para deixá-lo como o engenheiro queria foi feita a repintura de algumas partes e reparo completo da suspensão, freios, caixa de direção, embreagem, revisão completa do motor e de todos os periféricos. A maior dificuldade foi encontrar peças, seja de acabamento ou mecânica, de boa qualidade. O dono deu preferência às peças originais Motorcraft como as das luzes de placa, reservatório da partida a frio e luz de teto. O valor total dessa recuperação foi de R$ 12 mil.
João Alberto já fez algumas viagens com o Corcel II: “Os motoristas de outros carros buzinavam e mandavam um jóia ao vê-lo. Na estrada ele veio valente entre 110 e 120 km/h, fazendo médias de 11 km/l de álcool, embora já tenha feito 13km/l com relativa facilidade”, explica o dono.
E mesmo com todo esse cuidado com o Corcel II, João Alberto anunciou que está colocando o carro à venda. Para levá-lo o proprietário quer que o próximo dono tenha o mesmo cuidado que ele tem. “Tenho sim planos de vendê-lo, aliás, ele está anunciado em alguns sites, à espera do dono certo, que tenha o mesmo cuidado que tenho com ele”, salienta João.