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Citroën Méhari, o francês aventureiro, que conquistou uma geração graças sua modularidade e praticidade

Dotado de uma carroceria de plástico ABS, uma confiável mecânica oriunda do 2CV, o Méhari colocou o nome da Citroën nos fora de estrada.

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Por Anderson Nunes


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Em maio de 1968, em plena cidade de Paris, o ambiente era tenso e turbulento. Nas esferas sociais e políticas, esse mês entrou para os livros de história como “o maio francês”, assistindo-se a violentos protestos de estudantes e trabalhadores que transformaram a capital em uma desordem, com veículos incendiados e lojas de luxo saqueadas.

Não era, por essa razão, a altura ideal para a realização de qualquer evento, mas a Citroën havia marcado uma data para o lançamento do seu “Dyane 6 Méhari” – a denominação, à altura, do seu novo automóvel – e nada poderia mudar essa decisão.

Assim, nessa manhã, na estação em Paris, vários jornalistas do setor automobilístico, convidados para o evento, sentavam-se num comboio reservado para o efeito e que tinha como destino a estação de Trouville-Deauville, na Normandia, local onde se iria realizar a apresentação oficial do novo modelo.

O evento decorreu no campo de golfe de Deauville e começou perto do meio-dia, tendo sido mostradas oito das cerca de vinte unidades pré-série do Méhari (o automóvel só viria a ser homologado em julho), pintadas em cores marcantes como o azul elétrico, o vermelho profundo, um tom turquesa e um cinzento metálico; as cores não estariam disponíveis no modelo de produção.

Como era habitual em eventos organizados por Jacques Wolgensinger, à altura diretor de comunicação da Citroën, a apresentação foi um sucesso e a carreira do pequeno “camelo de plástico” (o nome Méhari deriva de uma raça de camelos de corrida e de combate) iniciou-se da melhor maneira possível, num dia divertido e pouco convencional, que ofereceu aos muitos jornalistas presentes uma pausa da dura realidade parisiense e à Citroën um excelente retorno em termos midiáticos.

CITROËN MÉHARI, O VERSÁTIL: DE PICAPE A UM SEDÃ DE QUATRO LUGARES

Quando De la Poype concebeu o Méhari, previu a possibilidade de construção de um veículo adequado a uma vasta gama de utilizações, do lazer ao transporte de objetos ou ferramentas de trabalho. O designer Jean-Louis Barrault tomou como base as dimensões do “AK”, o pequeno furgão comercial da Citroën, criou um pequeno fora de estrada, polivalente, que podia circular por vários tipos de solo. Chamava atenção a construção de sua carroceria em composto batizado de ABS – sigla em inglês para capolímero de acrilonitrila, butadieno e estireno, um material termoplástico leve e resistente, que era apoiado em um chassi tubular e que não tinha coluna central. 

 

A carroceria do Méhari era composta de apenas 11 peças facilmente reparáveis e a higienização podia ser feita por meio de uma simples lavagem com água, tanto por dentro quanto por fora. Isso tornava o carro fácil de manter e acessível para seus clientes.

O projeto resultou em pequeno e simpático jipe francês que media apenas 3,52 metros de comprimento, 1,26 m de largura, 1,63 de altura (com a capota opcional) e 2,37 m de entre-eixos. Pesava pouco, 590 kg. Podia transportar quatro passageiros, já na parte traseira, o banco rebatível, quando não estava a ser utilizado, dava origem a uma área de carga completamente plana, desde o para-choques traseiro até aos encostos dos bancos da frente. O para-brisas podia ser rebatível, incluía ancoragens para dois elementos metálicos, que se uniam num arco móvel, localizado imediatamente acima dos bancos da frente. 

Sobre a estrutura era possível instalar uma cobertura em tecido, criando um habitáculo para os passageiros da frente. Uma vez desenrolada, cobriam-se, também, os passageiros traseiros e o compartimento de bagagens, criando, assim, um sedã de quatro lugares. Entre as duas configurações, as combinações eram infinitas, com portas de tecido ou rígidas, painéis laterais de tecido e até um hardtop de plástico rígido, totalmente modular, disponível nas cores de carroçaria do Méhari.

Na frente, dois faróis circulares eram posicionados em uma moldura quadrada, com luzes de direção nas extremidades. A grade tinha frisos retos horizontais e os verticais eram inclinados para o centro. Os para-choques vinham incorporados à carroceria.

Já a paleta de cores era tão exótica quanto o nome: vermelho Hapi, ocre Kalahari, laranja Kirghiz, amarelo Atacama e verde Montana. 

O interior do Méhari era simples. Para conter custos eram utilizadas peças de outros modelos da marca, como o volante e o painel de instrumentos do 2CV, que continha apenas o velocímetro e o indicador do nível de combustível. Entre os opcionais, os clientes podiam escolher uma armação que sustentava a capota montada sobre pressão e os dois bancos traseiros, moldados em plástico ABS iguais aos dianteiros. Eram forrados por um tecido simples acolchoado.
 

MONTAGEM EM DUAS ETAPAS

O Méhari era produzido em duas etapas. A SEAB entregava a carroceria e o chassi à Citroën, que finalizava adicionando a parte mecânica e o acabamento. O trem de força era o consagrado motor de dois cilindros opostos refrigerado a ar do 2CV. Com cilindrada de 602 cm³, bloco e cabeçotes de alumínio e alimentado por um carburador Solex, fornecia a potência de 33 cv a 7.000 rpm e o torque máximo 4,4 m.kgf a 3.500 rpm. A tração seguia a cartilha Citroën, era dianteira e o câmbio tinha quatro marchas. O conjunto mecânico proporcionava uma velocidade final de 100 km/h. 

O pequeno veículo recreativo tinha carga útil de 400 kg. A suspensão era independente nas quatro rodas. Chamava a atenção a grande caixa de roda dianteira que oferecia bastante espaço para enfrentar terrenos arenosos ou de muita lama. O modelo era equipado com pneus de medida 135-15 e cobriam rodas de desenho simples. O sistema de freios era a tambor nas quatro rodas.

No mercado, o Citroën Méhari concorria com o inglês Mini Moke, derivado do Austin Mini; o conterrâneo Renault Rodéo, derivado do R4; os italianos CAP Scoiattollo e Savio Jungla, ambos recebiam mecânica Fiat; e o alemão Volkswagen 181. O Méhari chegou aos Estados Unidos em 1971, quando 1.000 exemplares foram exportados, com algumas modificações para atender às exigências daquele mercado. 

Apesar da proposta simplista, o Méhari ao longo de sua carreira ganhou melhorias tanto mecânica quanto de acessórios. Várias versões e acessórios foram oferecidos por terceiros: porta e capota fixas confeccionadas no mesmo material da carroceria, com ou sem vidros, e até uma cabine que o transformava em uma diminuta picape. Na linha 1977 recebia um carburador de corpo duplo, que fornecia um pouco mais de potência, junto de freios com duplo circuito e dianteiros a disco. Internamente o painel ganhava instrumentos do hatchback Citroën LN, que era a versão do duplo Chevron do Peugeot 104. Esse conjunto de mostradores era mais bonito e moderno, continha até um voltímetro. Já no campo da segurança, o Méhari ganhava o cinto de segurança. 

TRÊS VERSÕES ICÔNICAS

Embora tenha sido produzido por quase 20 anos, o Méhari teve apenas três versões diferentes, incluindo duas edições limitadas.
Em 1983, foram lançadas duas edições especiais. Primeiro, o Méhari Plage, com seu visual lúdico e um chamativo tom amarelo, que foi vendido na Espanha e em Portugal. E, em abril de 1983, o Méhari Azur foi lançado nos mercados francês, italiano e português e limitado a apenas 700 unidades. Em 1979, a Citroën introduziu uma nova variante com a versão 4x4, que oferecia uma liberdade quase inigualável até hoje. 

UMA TRAJETÓRIA PARTICULARMENTE DIVERSIFICADA

O Méhari foi um veículo de interesse especial para órgãos públicos, como a polícia, alfândega, aeroportos e muitos outros, mas também para lojistas, artesãos e milhares de clientes particulares. Ele também teve uma longa carreira no exército francês, que encomendou um total de 11.457 unidades entre 1972 e 1987.
No total, a Citroën produziu quase 150 mil unidades do Méhari - das quais 20 mil na Fábrica de Mangualde, Portugal -, durante quase duas décadas, de 1968 a 1987, incluindo as versões 4x4 que serviram no exército francês, outras capazes de serem enviadas de para-quedas e que assumiram o papel de ambulâncias no Paris-Dakar de 1980, aonde dez unidades do modelo foram fretadas para prestar assistência médica ao longo do percurso do Rally, ali demonstrando as suas virtudes, incluindo a capacidade de se moverem facilmente nas dunas sem ficarem presas na areia.  

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