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Citroën 2CV, pensado para o homem do campo, o modelo da marca do duplo Chevron ganhou o mundo

O simpático Citroën, que tinha sido concebido para ser barato e acessível, conquistou ao longo de quatro décadas a simpatia e admiração de milhares de pessoas ao redor do planeta

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Por Anderson Nunes


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Mais do que um carro, o 2CV foi um estilo de vida. Ícone cultural europeu desde seu lançamento até hoje, o compacto da Citroën é – e sempre foi – cultuado não apenas por colecionadores, artistas e intelectuais, mas principalmente por toda uma geração que entendeu pela primeira vez o que era poder ter um meio de transporte individual, acessível, versátil e confiável.

Representação máxima do que é ser um automóvel “cool”, o 2CV – ou “Deuche”, para os íntimos – teve um início de história pragmático, pois seu conceito era simples e urgente à época. Para Pierre Michelin, que substituíra André Citroën no comando da marca, o futuro modelo deveria permitir que as massas substituíssem o cavalo e a carruagem por um veículo robusto, útil e acessível, capaz de transportar quatro pessoas e 50 kg de bens agrícolas – sobretudo ovos, que não poderiam se quebrar durante a viagem – a uma velocidade de 50 km/h, inclusive sobre estradas lamacentas e não pavimentadas.

Vale ressaltar que foi em 1934 que família Michelin, maior credora da marca do duplo Chevron, assumiu a falida Citroën. A nova gestão encomendou uma pesquisa de mercado, conduzida por Jacques Duclos. A França naquela época tinha uma grande população rural que ainda não podia comprar carros. Foi o primeiro estudo de mercado encomendado por uma marca de carros na Europa. Em 1936, Pierre-Jules Boulanger, vice-presidente da Citroën e chefe de engenharia e design, enviou uma carta para sua equipe de departamento de engenharia com dados de um novo projeto de automóvel. O documento era batizado de TPV (Toute Petite Voiture – “Carro Muito Pequeno”) que seria desenvolvido em segredo nas instalações da Michelin em Clermont-Ferrand e na Citroën em Paris. 

Entre as especificações contidas na ata aos projetistas, o engenheiro Boulanger ressaltou de forma curiosa seus planos: “O novo carro que a Citroën se propôs a criar precisa ser parecido como uma espreguiçadeira sob um guarda-chuva, com quatro rodas, capaz de transportar dois fazendeiros e suas mercadorias com a máxima segurança e conforto”. A manutenção também teria que ser fácil e barata, pois o dono poderia reparar seu carro com as mesmas ferramentas já utilizadas no campo. E por fim muito econômico, já que o carro deveria percorrer 25 km/l de gasolina.

Os primeiros protótipos criados por André Lefebvre (o gênio por trás do Traction Avant e do DS) foram testados no final de 1937, eram carros simples com controle de direção, assentos e teto rudimentares. Os protótipos tinham apenas um farol, tudo o que era exigido pela lei francesa da época. Em 1939, o TPV passou por mais mudanças, os protótipos usavam peças de alumínio e magnésio e tinham motores com cilindros opostos refrigerados a água e tração dianteira.O sistema de suspensão utilizava braços dianteiros e traseiros, conectados a oito barras de torção abaixo do banco traseiro: uma barra para o eixo dianteiro, uma para o eixo traseiro, uma barra intermediária para cada lado e uma barra de sobrecarga para cada lado. O eixo dianteiro foi conectado às suas barras de torção por cabo. A barra de sobrecarga entrava em ação quando o carro tinha quatro pessoas a bordo, para suportar a capacidade extra de ocupação. Em 28 de agosto de 1939 o carro recebeu aprovação para o mercado francês e a produção seriada teria início. O projeto TPV foi renomeado para Citroën 2CV, sua apresentação estava agendada para o Salão do Automóvel de Paris em outubro de 1939, mas devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial o lançamento precisou ser adiado. Dos cerca de 200 modelos já montados, quase todos foram destruídos em bombardeios. Apenas quatro restaram, mantidos em segredo na França ocupada.

SUCESSO IMEDIATO

Com fábricas destruídas, a Citroën manteve o desenvolvimento do 2CV às escondidas e sua estreia ocorreu em 7 de outubro de 1948, em um palco que não poderia ser outro, o Salão de Paris, centro de uma Europa que estava sendo reconstruída. No estande da Citroën três modelos 2CV (deux chevaux na pronúncia local) devido a sua potência, estavam expostos e de imediato o veículo despertou a atenção de todos que estavam ali presentes. Não demorou para que logo o diminuto carro recebesse o apelido de “guarda-chuva sobre rodas”, devido a sua simplicidade e forma da carroceria. O simpático visual era assinado pelo projetista Flamínio Bertoni, que trouxe a economia construtiva para o modelo. O 2CV apresentava quatro portas, sendo que as dianteiras tinham abertura do tipo suicida. Com linhas curvas, a carroceria de dois volumes empregava amplos vidros que permitiam boa visibilidade.

Os vidros das portas dianteiras abriam apenas a metade inferior, que ficava virada para cima e travada – mais simples e barato que um sistema de vidros descendentes. 

Outro sinal de economia, o teto era quase todo de lona, sendo facilmente removível, quando utilizado estendia-se até o porta-malas fazendo a vez de uma rústica cobertura para os objetos que ali estavam acondicionados. Os dois faróis circulares não eram incorporados ao capô, mas sim apoiados nos para-lamas e tinham forma de cone.Internamente acomodava quatro pessoas com relativo conforto, os bancos revestidos em lona apresentavam estrutura metálica à mostra. O painel simples continha apenas velocímetro, marcador de combustível e luzes-espia. O grande volante de dois raios tinha o botão de buzina ao centro. O Citroën 2CV media 3,78 metros de comprimento 2,40 m de entre-eixos. Seu peso era de apenas 490 kg.

 

À frente do motorista, um motor boxer de dois cilindros refrigerado a ar com 375 cm³ (quadrado, 62 x 62 mm) e 9 cv de potência a 3.500 rpm era alimentado por um carburador de corpo simples da marca Solex. Acoplado ao motor estava o câmbio manual de quatro marchas e a tração era dianteira, padrão da marca desde o Traction Avant. O conjunto mecânico proporcionava velocidade máxima de 70 km/h, consumo médio rondava os 20 km/l, que fazia parecer grande o tanque de apenas 20 litros. 

Os freios eram a tambor nas quatro rodas e o estacionamento atuava nas rodas dianteiras, que tornava mais eficiente esse freio caso houvesse falha no circuito principal. A estabilidade surpreendia, mesmo calçando pneus finos na medida 125-400 (15,7 pol). A Michelin introduziu e comercializou pela primeira vez a nova banda de rodagem revolucionário do pneu radial, fazendo a estreia justamente no 2CV.  

Sucesso instantâneo, tinha fila de espera após a estreia. Logo depois, era preciso esperar até cinco anos para estacionar um 2CV na garagem. Criou-se então uma das primeiras situações em que o usado custava mais do que o novo, pois ninguém queria esperar. Ao longo do tempo, outros países também produziram o modelo, como Reino Unido, Uruguai, Portugal, Espanha e até o Chile.

MELHORIAS CONSTANTES

Dois anos após o lançamento do 2CV a família é ampliada com o furgão 2CV Fourgonnette. A versão “Weekend” da van tinha bancos traseiros dobráveis ​​e removíveis e janelas laterais traseiras, permitindo que um comerciante o usasse como um veículo familiar no fim de semana, bem como para negócios durante a semana. Já na linha 1954 o motor ficava mais vigoroso, passava a ter 425 cm³ (66 x 62 mm) e a potência subia para 35 cv para atingir 85 km/h.

Contando com 11 anos de mercado as primeiras mudanças estéticas são efetuadas com o porta-malas ganhando tampa de metal, vidro traseiro retangular, sistema de aquecimento interno, rodas de 15 pol e rádio como opcional. No catálogo de cores, além do tradicional cinza, havia agora a opção do azul. 

Já na metade da década de 1960 o caçula da família Citroën estava mais moderno e confortável. Tinha um novo desenho de painel, limpador de para-brisa passou a ser de acionamento elétrico e o acabamento estava mais refinado. Visualmente o capô de metal corrugado foi substituído por uma tampa de cinco nervuras. Já a grade foi ligeiramente modificada (forma mais plana com borda superior curvada) e para-choque dianteiro ganhou um reforço estrutural. Além disso, o 2CV gerou outros modelos de sua base mecânica. Um deles foi o simpático Dyane. Quase idêntico, incorporava uma estética mais tradicional e uma prática porta traseira quando comparado ao 2CV. Sua popularidade foi tal que se fabricaram quase 1,5 milhão de Dyanes entre 1967 e 1983.

Outro destaque foi o Sahara. Em vez de uma configuração tradicional envolvendo diferenciais e embreagens, a Citroën simplesmente adicionou um motor montado na traseira para impulsionar as rodas traseiras e criar um 2CV 4x4. Genial, tinha apenas um acelerador, uma embreagem e um câmbio para operar ambos motores. Com pouco menos de 700 exemplares construídos, é item cobiçado por colecionadores atualmente. Isso sem falar no Ami (1961-1978) e no jipinho Méhari (1968-1988).

O desempenho do 2CV foi melhorado ao longo do tempo graças à adoção de novos motores mais potentes. Em 1970 estava disponível o trem de força de 602 cm³ (74x70 mm) e 33 cv a 5.750 rpm. Pela primeira vez o pequeno 2CV rompia a barreira dos 100 km/h. Outra novidade era o sistema elétrico de 12 volts, e para maior conforto do motorista, pedais suspensos e mais leves de operar. Reforços internos nas colunas, para fixação de novos cintos de segurança, apareciam na linha 1972. Dois anos depois o pequeno Citroën ganhava um novo volante de um raio e desenho mais moderno que combinava mais com o painel de instrumentos remodelado e com graduação até os 120 km/h. Cores mais alegres, como o vermelho, verde e o amarelo foram adicionadas ao catálogo de cores. 

Séries especiais também colaboraram para animar ainda mais as vendas do Citroën 2CV, sendo a mais famosa batizada de Charleston. Apresentada em 1981, a Charleston (que se chamaria Tréfle, como o pequeno 5HP Citroën da década de 1920) e que era uma homenagem aos “anos loucos”, em estilo retrô, era oferecida nas cores amarelo e preto ou bordô e preto (depois havia também uma versão sofisticada em dois tons de cinza). 

A série Charleston foi a mais bem-sucedida do modelo, que sustentou as vendas do 2CV a tal ponto que estendeu sua vida útil até 1990, quando os novos regulamentos europeus o colocaram fora de ação. Em 27 de julho de 1990, um 2CV em dois tons de cinza, apelidado de “The Duck”, sai de linha na planta portuguesa de Magualde, encerrando a carreia do modelo 3.868.634 unidades depois. 

Nascido para transportar dois agricultores, 50 quilos de batatas ou um barril de vinho (e isso explica a forma do tronco), o pequeno e muito grande Citroën 2CV fez tudo o que tinha que fazer e muito mais: percorreu o mundo incontáveis vezes, povoou e coloriu os sonhos de gerações de proprietários, foi um veículo de trabalho e atravessou desertos e mil outras coisas. 

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