Nesses 30 anos trabalhando na oficina mecânica, pude perceber as mudanças promovidas pelo avanço tecnológico, sobretudo, no que diz respeito aos diagnósticos de defeitos que, aliás, também se tornaram mais complexos.
Antes, no tempo do velho carburador, qualquer falha no motor era atribuída primeiramente ao próprio – o “Sr. Carburador”.
Porém, digo-lhes com conhecimento de causa, pelo menos cinquenta por cento dos problemas não tinham nada a ver com o coitado do carburador, estavam relacionados aos diversos sistemas e componentes que, juntos, funcionam como uma orquestra sinfônica.
Com o ser humano algo parecido chamou a minha atenção - A “dor de cabeça”. Não é incomum ouvir alguém se queixando dessas dores, independentemente de sexo, cor ou origem. Felizmente não sou vítima desse mal que assola uma grande parte da população mundial.
De acordo com a publicação da revista Exame, em 4 de maio de 2011, 16h49, “um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que a dor de cabeça é um dos problemas de saúde mais comuns em todo o mundo, porém, o tratamento tem sido negligenciado. Os especialistas estimam que até 75% dos adultos de 18 a 65 anos sofreram com dores de cabeça”.
Existem inúmeras causas possíveis para a dor de cabeça, no entanto, por ser algo tão comum, as pessoas acabam negligenciando quando procuram um especialista para fazer o diagnóstico, porque acreditam que o mesmo remédio, que outrora fora receitado para o mesmo fim, servirá para todas as vezes que estiver com esse mesmo sintoma.
Essas pessoas, simplesmente ignoram o fato de que o médico só receitou aquele remédio porque fez exames e diagnosticou a causa exata daquela dor de cabeça, daquele paciente, naquele momento, o que não vale para as próximas vezes, mesmo que seja o mesmo sintoma.
Curiosamente, ocorrências como esta são constatadas nas oficinas mecânicas com certa frequência. Quando a luz da injeção eletrônica acende no painel do carro, o motorista pensa que trata-se do mesmo defeito que ocorrera anteriormente, e chega na oficina dizendo: “meu carro está com o mesmo problema, a luz da injeção acendeu novamente!”
Para esclarecer esses equívocos, discorrerei sobre esse tema exemplificando de forma análoga às patologias ligadas às famosas dores de cabeça e os motivos que fazem a luz de anomalia da injeção eletrônica acender.
O QUE É DOR DE CABEÇA?
A cefaleia (nome científico da dor de cabeça) é a dor em qualquer região da cabeça; pode ocorrer em um ou em ambos os lados da cabeça, pode ser isolada em determinada localização, irradiar pela cabeça de um ponto ou a outro ou ser latejante. As dores de cabeça podem aparecer gradualmente ou de repente, e podem durar menos de uma hora ou durante vários dias.
Tipos de dor de cabeça: Existem mais de 200 tipos de dor de cabeça, contudo, a maioria delas não é resultado de uma doença grave, mas algumas podem resultar de uma condição com risco de morte que requer cuidados de emergência.
Alguns casos de dor de cabeça - Causas graves de dor de cabeça, que correspondem a menos de 10% dos casos:
Tumores cerebrais; aneurismas; AVC hemorrágico; trombose venosa cerebral; meningite, etc.
Outras causas não graves para dor de cabeça - Sinusite; problemas de coluna; uso abusivo de analgésicos; cefaleia pós-trauma, etc.
Apesar de ser um assunto interessante, não vou me aprofundar nas causas das dores de cabeça porque o objetivo desta analogia é demonstrar de uma forma um tanto quanto familiar, que, mesmo tendo os mesmos sintomas (dor de cabeça e luz da injeção acesa), as causas podem ser as mais diversas possíveis.
Entenda o que desencadeia sua dor de cabeça - Antes de sair seguindo os conselhos de parentes ou amigos que também sofrem de dor de cabeça, saiba que os gatilhos para uma crise são diferentes em cada pessoa, bem como os fatores que ajudam a amenizar os sintomas. Os desencadeantes de uma crise podem ser: alimentos, estresse, alterações do sono, jejum, estado climático, alterações hormonais e muitos outros.
Dois exemplos clássicos são: dor de cabeça provocada por uma gripe devido à obstrução das vias aéreas respiratórias podendo evoluir para uma sinusite ou aquela famosa enxaqueca que pode ser provocada por exposição excessiva ao sol; excesso de bebidas alcoólicas ou mesmo a TPM (tensão pré-menstrual).
Por isso, o “remédio” que funciona para uma pessoa pode não ser eficaz para outra pessoa. Neste sentido, ressalta-se a importância de prestar atenção em seus próprios agentes desencadeantes da dor de cabeça e anotar as ocorrências com o intuito de identificar um padrão. Assim, será mais fácil para o médico direcionar os exames e chegar a um diagnóstico.
Da mesma forma acontece com o carro! Quando a luz de anomalia da injeção eletrônica acende alertando ao motorista que há algum problema, as recomendações são praticamente as mesmas, sobretudo, na parte que diz respeito à “automedicação” baseada em ocorrências anteriores ou por indicação de curiosos.
Neste ponto é imprescindível que o Reparador automotivo assuma o papel de consultor técnico e saiba entrevistar o cliente colhendo o maior número de informações para saber a quantas anda a manutenção do veículo e em quais circunstâncias o defeito se apresentou. Com base nestas informações, o técnico saberá quais testes deverão ser realizados e em qual ordem, para a obtenção de um diagnóstico mais rápido e mais assertivo.
Dica para o Reparador: Após colher as informações, seja muito claro com o cliente, explicando o processo passo a passo para chegar ao diagnóstico. Essa é uma forma de transmitir confiança, demonstrar transparência e conhecimento, afinal, o cliente está cada vez mais bem informado.
ENTENDA O SISTEMA DE GERENCIAMENTO ELETRÔNICO DO MOTOR (ECU)
A ECU (Unidade de Controle Eletrônico), também conhecida como módulo de injeção, tem a função de monitorar as informações recebidas pelos diversos sensores espalhados no motor, processá-las e enviar sinais elétricos aos atuadores - Funciona mais ou menos assim:
Vamos pegar um dos sensores para servir de exemplo. O sensor de temperatura informa a temperatura do motor ao módulo de injeção; a partir desta informação a ECU envia sinais elétricos que determinam o tempo de abertura dos bicos, determinando se eles irão injetar mais ou menos combustível. Se o sensor informar uma temperatura absurda, por exemplo (-140°C), o módulo vai desconsiderar a informação, acender a luz da injeção no painel, adotar uma temperatura padrão (aproximadamente 80°C) e ligar a ventoinha para que o motor se mantenha ligado sem o risco de superaquecer. E assim acontece também com outros sensores. Porém, quero destacar um sensor que é campeão em fazer acender a luz, é o Sensor de Oxigênio, conhecido como sonda lambda (foto 2).
Sensor de oxigênio (sonda lambda) - Localizada no coletor de escapamento ou no cano de escapamento (foto 3), a sonda lambda tem a função de enviar um sinal elétrico (Milivolts) para o módulo de injeção. Esse sinal vai variar de acordo com a quantidade de oxigênio detectado, resultante da combustão, sinalizando mistura rica (muito combustível) ou mistura pobre (pouco combustível).
Com essas informações o módulo de controle da injeção eletrônica determina a quantidade exata de combustível que será injetada pelos bicos, aumentando ou diminuindo o tempo de injeção.
Curiosidade: para a sonda lambda começar a trabalhar, deve atingir a temperatura mínima de 300ºC.
A escolha da sonda lambda para dar como exemplo não foi por acaso; ocorre que esse importante sensor é sem dúvida a peça que mais sofre pelos problemas das outras peças, é acusada de forma precoce e injusta e muitas vezes substituída indevidamente. Isso porque, ela é a peça que “percebe” todas, ou quase todas, as irregularidades no funcionamento do motor. Vamos entender melhor como esses erros de interpretação ocorrem. Veja esses exemplos de problemas possíveis que geram códigos de falhas indicando que a sonda lambda está avariada.
Defeitos que podem causar erro de interpretações - Cabos de velas, velas ou bobinas falhando (fotos 4, 5 e 6): Cada vez que ocorre uma falha no sistema de ignição, há má queima de combustível na câmara de combustão. A sonda lambda indica para o módulo de controle da injeção eletrônica que a mistura está pobre, este por sua vez, tenta corrigir a mistura, enriquecendo-a. Se a sonda lambda continuar acusando mistura pobre, o módulo interpreta que ela está com problema e acende a luz do painel indicando defeito na própria sonda.
Bico injetor entupido (fotos 7 e 8) nesse caso, a sonda lambda informa ao módulo mistura pobre. Ele tenta corrigir enriquecendo a mistura, se não conseguir, acende a luz da injeção e o código de falha gerado será “sonda lambda mistura pobre”.
Entrada de ar por mangueiras furadas, pelo servofreio, pela junta do coletor de admissão, junta do corpo de borboleta, etc.: todo ar que entra para o motor é medido. Sabendo da quantidade de ar que entrou, o módulo calcula a quantidade de combustível necessária para uma ótima combustão. Se uma quantidade de ar entrar sem ser medida/ identificada pelo módulo, a quantidade de combustível determinada pelo módulo será insuficiente, logo, a sonda indicará mistura pobre. O módulo então, por estratégia, enriquece a mistura e se não resolver, acusa a coitada da sonda lambda.
Sensor de temperatura com defeito (foto 9): imagine que a temperatura real do motor seja 90°C, mas, o sensor de temperatura indica apenas 50°C. O módulo não tem como saber que o sensor está marcando errado, então, calcula a quantidade de combustível considerando 50°C, ou seja, vai mandar combustível em quantidade acima da real necessidade do motor. A sonda por sua vez, indicará mistura rica; o módulo empobrece a mistura, e se não resolver, adivinha quem será acusada... novamente a sonda lambda!
Agora que você já sabe como funciona a sonda lambda e qual é a estratégia adotada pelo módulo, eu faço uma pergunta, supondo uma possível e corriqueira situação: a sonda lambda está indicando mistura pobre, será que há alguma coisa fora do normal ou está tudo funcionando corretamente e a própria sonda lambda que ficou “doida”?
Pois é, caro leitor! Era exatamente neste ponto que eu queria chegar!
A substituição do carburador pelo sistema de injeção eletrônica no Brasil gerou uma confusão na cabeça do proprietário do veículo, que até hoje não se desfez. Falando de uma forma simplificada, a grande diferença em relação ao diagnóstico de ambos é que no sistema com carburador o diagnóstico era 80% intuitivo, apenas 20% era feito através de testes mais elaborados. Ex.: de uma hora para a outra o motor perde a marcha lenta e começa a morrer, basta tirar o pé do acelerador que o danado morre. Diagnóstico: 90% de certeza que uma microssujeira está obstruindo o furo do giclê de marcha lenta.
No sistema de injeção eletrônica a coisa é bem diferente. Ex.: mesma situação, o motor começa a morrer quando para no trânsito. Neste caso não há uma peça específica que provoque este sintoma. Apesar de existir um componente responsável pelo controle da marcha lenta (motor de passo, atuador de marcha lenta ou corpo de borboleta eletrônico – Fotos 10, 11 e 12), ele depende de todos os outros componentes do sistema de injeção eletrônica para fazer seu trabalho corretamente. Se algum sensor estiver operando errado, a interpretação do módulo será também errada, o que resultará num erro de sinal eletrônico enviado para a peça responsável pelo controle da marcha lenta. Viu como é complexo?
Mas, as confusões não param por aí! Por ter a possibilidade de conectar um aparelho de diagnóstico no sistema de injeção eletrônica, o “leigo” pensa que esse aparelho vai dar uma receita prontinha e aí é só executar o serviço. Ledo engano!
Esse aparelho pode até acusar determinada peça, porém, antes de trocar a tal peça é preciso fazer uma série de verificações para ver ser a acusação é justa. Esse procedimento se faz necessário porque uma peça depende da outra para o ótimo funcionamento do conjunto, como mencionado anteriormente.
Portanto, não é porque acendeu a luz da injeção eletrônica e o defeito era a sonda lambda, que todas as vezes que acender será o mesmo defeito, ainda que o código de falha gerado pelo módulo aponte para a sonda lambda.
Vale ressaltar que além da sonda lambda, qualquer outro componente do sistema de injeção eletrônica que esteja fora dos padrões, seja por alguma avaria ou reflexo de algum problema existente, fará a luz da injeção eletrônica acender no painel.
Da mesma forma é a tal da dor de cabeça, nem sempre a causa é a mesma. Os gatilhos para uma enxaqueca, por exemplo, podem ser os mais diferentes, incluindo a alimentação. Assim como para alguns carros, o combustível de má qualidade pode ser o motivo de falha no sistema de injeção eletrônica que é identificado pela luz acesa no painel.
Contudo, o importante é saber que para diagnosticar ambos os casos, se faz necessário o uso de equipamentos / exames apropriados e uma boa dose de experiência do profissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tecnologia embarcada nos automóveis oferece melhorias significativas no tocante ao conforto, segurança, economia de combustível e redução do índice de poluentes. Porém, essa mesma tecnologia também traz novos e complexos defeitos que precisam muito mais que um scanner automotivo para serem diagnosticados.
Antes de condenar o componente acusado pelo aparelho, é necessário fazer uma bateria de testes em todos os componentes que podem interferir e alterar a leitura dos sensores e consequentemente o funcionamento dos atuadores. Por incrível que pareça muitos desses defeitos têm origem mecânica, ou seja, são provocados por algum componente mecânico, como: sujeira no corpo de borboleta, entupimento de bicos, tubos de passagem de ar, sincronismo de correia dentada, má vedação das válvulas do cabeçote, etc. Nesses casos o grande desafio é interpretar a leitura obtida pelo scanner, porque algumas falhas não são identificadas por ele.
Ressalto que o principal objetivo desta matéria é esclarecer que existem diferentes diagnósticos para os mesmos sintomas, tanto no ser humano quanto num automóvel. Essa comparação faz muito sentido porque a dor de cabeça é tão comum quanto as falhas no sistema de injeção eletrônica, normalmente indicadas por algum sintoma perceptível ao dirigir, e/ou pela luz de anomalia no painel; ainda nessa linha de raciocínio destaco também as receitas prontas baseadas em experiências anteriores, para ambos os casos, que na maioria das vezes não são corretas e ainda podem acarretar em novos problemas, fique atento!