No início dos anos de 1970, as pequenas picapes japonesas estavam ganhando força na Terra do Tio Sam. A Toyota com sua Hilux, bem como sua conterrânea, Datsun\Nissan 620, tinham conseguido conquistar uma base fiel clientes que estavam trocando as suas caminhonetes pesadas voltadas ao trabalho para veículo de uso mais urbano e recreativo. Os principais fabricantes norte-americanos se esforçavam para entender essa mudança de mentalidade. Desenvolver um utilitário de pequeno porte levava tempo e dinheiro, e, claro, Detroit tinha muito mais experiência e sucesso nas vendas de veículos grandes.
Logo, alguém pensou: Por que não importar do Japão alguns desses pequenos caminhões e colocarmos nossos logotipos? Assim foi feito, a General Motors trouxe a LUV fornecida pela Isuzu. Como medida paliativa, a Ford assinou um acordo com a Mazda. A picape Mazda Série B tornou-se o Ford Courier, lançada em 1972. Discreta no estilo e no desempenho, a Courier era equipada com motor de 1,8 litro a gasolina e potência de 74 cv, tinha opção de transmissão manual ou automática, além da grande capacidade de carga de 1.400 kg. Nos anos seguintes o modelo recebia melhorias, 1977 foi acrescido o motor 2,3 litros da Ford, fabricado no Brasil, e em 1982 aparecia a versão Perkins 2,2 a diesel.
Como curiosidade, a Mazda fornecia o modelo sem caçamba, o que evitava o pesado imposto de 25% para picapes conhecido como Chicken Tax ou imposto do frango — uma retaliação comercial dos EUA à França e à Alemanha, que em 1964 haviam elevado tributos sobre o frango exportado pelos norte-americanos. Após a importação a caçamba era acrescentada, o que permitia imposto de apenas 4%.
Logo após o Courier chegar ao mercado, a Guerra do Yom Kippur estourou no Oriente Médio, provocando a primeira crise do petróleo. A gasolina de repente ficou muito cara. As filas nos postos eram longas e muitos estabelecimentos ficaram sem combustível. As picapes pesadas e sedentas de Detroit estavam repentinamente fora de sintonia com os tempos.
PROJETO YUMA
As crises do petróleo de 1973 e 1979 foram mesmo decisivas para readequar os hábitos do consumidor norte-americano de automóveis. Com o preço da gasolina nas alturas e a entrada de limites legais para o consumo de combustível (programa CAFE), os grandes carros com motor V8 perderam espaço e chegaram perto da extinção. No caso das picapes, a demanda por modelos mais econômicos levou à criação do segmento médio — compacto para o padrão deles.
Em 1976, a Ford iniciou o desenvolvimento do “Projeto Yuma”, com o objetivo de fabricar uma picape compacta produzido em solo norte-americano. Os estudos para conceber o novo veículo foram centrados em torno da qualidade de construção e eficiência de combustível. Para tanto a carroceria foi submetida a extensos testes em túnel de vento. Para melhorar ainda mais a economia de combustível, foi empregado o uso de aço de alta resistência e outros materiais leves, incluindo um alojamento de embreagem de magnésio, caixa de transferência de alumínio para versões de tração nas quatro rodas.
A Ford, durante as pesquisas, descobriu outros elementos adicionais que foram valorizados pelos potenciais compradores, como flexibilidade para o uso no trabalho e pessoal, cabine mais espaçosa e arejada, além de assentos confortáveis. Também foi acertado que a altura em relação ao solo seria menor, isso foi pensado para facilitar a movimentação de carga e descarga da caçamba.
Em meados dos anos de 1980 a Ford começou a testar os primeiros protótipos em estradas e convidou a imprensa especializada a conhecer o produto. Em 1981, a General Motors havia lançado a sua própria picape compacta, a Chevrolet S-10, o que fez acirrar ainda mais concorrência neste segmento. O presidente da Ford naquela ocasião, Don Peterson, acelerou a finalização do projeto Yuma. Em janeiro de 1982 era lançada oficialmente a picape Ford Ranger.
MINIATURA DA FORD SÉRIE F
As primeiras unidades da Ford Ranger chegaram às lojas em março de 1982 já como modelo 1983. Dotada de linhas retas que lembravam as da Série F, permitiam bom coeficiente aerodinâmico (Cx) para o tipo de veículo, 0,45. Seu nome, que significa em inglês o equivalente a um guarda florestal, não era inédito na Ford: fora usado nos anos 70 em uma versão de acabamento da Série F e do Bronco.
Um dos predicados do modelo era ser compacta e leve, media 4,46 metros de comprimento, 2,71 m de entre-eixos e pesava 1.150 kg. A Ranger mantinha parte dos atributos que levaram a Série F à liderança do mercado. Contudo, a pressa para o lançamento deixou a picape com poucas opções iniciais: cabine simples, tração traseira, dois comprimentos de caçamba (1,5 e 1,8 metro) e dois motores a gasolina, ambos com comando de válvulas no cabeçote e carburador. O trem de força de 2,0 litros fornecia 73 cv, ante 80 cv do 2,3 que era exportado de Taubaté-SP. A transmissão manual de quatro marchas equipava ambos, mas o 2,3 podia receber uma automática de três.
Com chassi do tipo escada e suspensão dianteira independente Twin-I-Beam com molas helicoidais, a Ranger oferecia capacidade de carga modesta — 545 kg ou, 725 kg com pacote opcional para trabalho pesado. Ainda na linha 1983 a Ford acrescentava opções de tração nas quatro rodas, motor Mazda-Perkins 2,2 a diesel (o mesmo da Courier, com apenas 59 cv) e o primeiro V6, o Cologne de 2,8 litros e 115 cv. O diesel mudava de fornecedor em 1985, passando ao Mitsubishi 2,3 litros com turbo e 86 cv. A versão de cabine estendida, batizada de Supercab, e opção de pequenos bancos traseiros, vinha em 1986. Como usava a caçamba de 1,80 metro e entre-eixos de 3,18 m, a picape ficou bem mais longa. Nesse mesmo ano a Ranger ganhava o motor V6, agora de 2,9 litros, com injeção eletrônica, de 140 cv.
Uma mudança visual de meio de ciclo de vida chegava em 1989, a parte frontal tinha desenho que lembrava o da F-150, junto de mudanças internas. Os faróis não mais estavam recuados, uma permissão das novas normas do país, e mudavam capô, grade e para-lamas. O motor 2,3 adotava duas velas por cilindro (para menores emissões poluentes) e ignição sem distribuidor, passando a 100 cv, e havia sistema antitravamento (ABS) para os freios traseiros. Um motor V6 de 4,0 litros e 145 cv, com opção de caixa automática de quatro marchas, era novidade em 1990. A tração 4×4 podia ter comando elétrico, embora a tradicional alavanca ainda fosse oferecida, e rodas-livres dianteiras automáticas.
ICÔNICA SEGUNDA GERAÇÃO
Depois de uma produção de dez anos, a Ford apresentou a segunda geração do Ranger, em agosto de 1992 já como modelo 1993. Não compartilhava painéis de carroceria com seu antecessor, trazia linhas mais arredondadas, portas maiores, ausência de calhas no teto e vidros nivelados à carroceria. Embora mantivesse a distância entre-eixos e capacidade de carga, crescia 11 cm em comprimento e ganhava bitolas mais largas. A versão Splash chegava com novo estilo de caçamba com para-lamas salientes, conhecido por flareside e inspirado em picapes das décadas de1950. A 4×4 tinha grade diferenciada, molduras nos para-lamas, maior altura de rodagem e rodas de 15 pol em vez de 14. Os motores de 2,3, 3,0 e 4,0 litros permaneciam.
Para 1995, o Ranger passou por uma revisão de meio ciclo para o exterior e interior. A grande dianteira em cinza acetinado passava a ter quatro entradas de ar e um pequeno filete cromado nas versões STX e XLT. O interior era rejuvenescido com adoção do painel de formas arredondadas e opções de ajuste elétrico do banco do motorista e disqueteira para seis CDs, apenas com cabine estendida. A segurança aumentava com a oferta de bolsa inflável para o motorista e ABS nas quatro rodas — de série nas versões 4×4 e nas V6 de tração traseira. O motor 2,3 passava a 112 cv e a transmissão automática recebia controle eletrônico.
Em 1996, foi introduzido o airbag do lado do passageiro como opção; para permitir o uso de uma cadeira de segurança para crianças, havia um sistema de bloqueio operado por chave que podia desativar a bolsa de ar. A caçamba da Splash era oferecida também nos acabamentos XL e XLT e os motores passavam a assegurar 160 mil quilômetros apenas com manutenção básica. Um ano depois a caixa automática de cinco marchas (5R55E) era oferecida para o motor 4,0, algo inédito na categoria.
PASSAPORTE ARGENTINO
Maior que as picapes derivadas de automóveis como Fiat Fiorino, Picape Corsa e VW Saveiro, menor que os modelos pesados como a F-1000 e D-20, a Ford lançava a Ranger no mercado brasileiro, no início de 1995, para cobrir essa lacuna de mercado. A versão aqui vendida correspondia à segunda geração do utilitário, importado dos Estados Unidos; coube a marca do oval azul inaugurar o segmento entre os grandes fabricantes nacionais. A Ranger precedeu por meses a S-10, da GM – iniciativas anteriores haviam partido de importadores como Nissan, Mazda e Mitsubishi, além da Toyota com a Hilux.
A Ranger chegou ao mercado em duas versões: XL, de cabine simples e a STX, cabine estendida, interior mais luxuoso, grade e para-choque dianteiro cromados e rodas de alumínio. O modelo XL oferecia como opcionais a regulagem elétrica dos retrovisores e o ar-condicionado. E o seu rádio não incorporava toca-fitas. Mesmo sendo a versão de entrada, a XL oferecia um bom nível de acabamento interno, com forração em carpete no piso e bancos revestidos de tecido. Estes são individuais, havia um pequeno espaço central que fazia menção a um terceiro ocupante. O encosto deste pequeno banco basculava para à frente e a sua parte superior, estofada, abria-se e transformava a peça em porta-objetos.
Outra característica que surpreendia era o conjunto dinâmico da Ranger, pois seu modo de condução estava próximo aos dos automóveis de passageiros, algo bem diferente das picapes japonesas, que vinham apostando em versões de trabalho com motores a diesel de menos de 100 cv e opção de tração nas quatro rodas.
A Ranger reintroduziu a vantagem do motor a gasolina em termos de desempenho e o conforto ao rodar. O termo utilitário esportivo nunca esteve tão em voga como nessa picape, ora vejamos. Era equipada com um potente motor V6 de 4,0 litros, dotado de injeção eletrônica digital, fornecia 160 cv a 4.000 rpm e torque de 31,1 m.kgf a 2.500 rpm.
Esse conjunto mecânico permitia a Ranger XL acelerar de 0 a 100 km/h em 10,2 segundos, atingir os 170 km/h de velocidade máxima. O câmbio manual de cinco marchas tinha engates precisos e escalonamento adequado. A sobra de potência do V6 de quatro litros permitia uma quinta marcha do tipo sobremarcha, com baixa relação de 0,79:1. Este era o seu lado “sport”: o “utility” ficava por conta da caçamba razoavelmente grande calculada para cargas de até 650 kg.
O conjunto interessante, que unia personalidade, potência e uma fácil condução atraiu muitos compradores principalmente dos donos de carros de passeio, o resultado foi aumento de vendas da Ranger. Em 1995, a Ford emplacou mais de 5 mil unidades, o que fez os dirigentes da marca a providenciar sua produção na unidade argentina de General Pacheco.
Assim em abril de 1997 era lançada a primeira Ford Ranger com o selo “Hecho em Argentina”. Tratava-se da versão XL de cabine simples, dotado do mesmo visual das irmãs até então importadas dos Estados Unidos. A novidade era a troca do motor V6 pelo de quatro cilindros, na verdade, um velho conhecido nosso: o 2,3 litros fabricado em Taubaté-SP, lançado em 1975 para equipar o Maverick e exportado na década seguinte para os EUA. Na ocasião o trem de força havia passado por um rejuvenescimento, agora era equipado com injeção eletrônica multiponto e duas velas por cilindro, e desenvolvia 114 cv e 18,7 m.kgf, o bastante para atingir 160 km\h e fazer de 0 a 100 km\h em 16 s.
Isso foi somente um aperitivo, pois em março de 1998, a Ford Argentina lançava a terceira geração da Ranger, que adotava o novo estilo norte-americano, suspensão elevada e dois tamanhos de caçamba. Além disso, havia a opção de cabine dupla e do motor turbo diesel fornecido pela Maxion. Mais detalhes sobre essa geração, nós iremos contar nas próximas edições.
CAÇADOR DE FORD RANGER
Nos últimos anos, com o aumento dos números de colecionadores de automóveis no Brasil, surgiu um novo profissional nesta área: o de caçadores de carros. São pessoas que se propõem a investir seu tempo, paciência e conhecimento para buscar determinado tipo de veículo que um cliente quer. Nesta lista entram modelos de baixa tiragem, baixa quilometragem, podem ser nacionais ou importados. As picapes como não podiam deixar ser, estão entre os veículos que começavam a ganhar adeptos no colecionismo.
O empresário Murilo Marquesin, 43 anos, da cidade de Louveira (SP), já trabalha no comércio de veículos desde os seus 17 anos, mas tornou o que era paixão em negócio há pouco mais de 2 anos. Embora trabalhe com todo o tipo de veículo antigo, Murilo tem se especializado em “caçar” as picapes Ford Ranger. “A picape Ford Ranger é meu sonho de consumo desde a época da adolescência, principalmente a versão Splash. São os modelos mais raros do modelo que podemos encontrar aqui no Brasil, acredito que foram importados uns 250 exemplares”, comenta o empresário.
Em seu perfil no Instagram é possível ver um histórico das Ford Ranger que já passaram pelas suas mãos. Há diversos tipos de acabamento, carroceria e versões. Chamam a atenção os modelos importados pelas lojas independentes como a Ranger Splash cabine estendida ou a Splash 4x4 dotada de câmbio manual de cinco velocidades.
A Ford Ranger que ilustra nossa reportagem é uma XL, de cabine simples, ano 1997 vermelho Málaga. Essa ainda é importada dos Estados Unidos, já que pouco tempo depois a picape ganharia cidadania argentina, além da troca do motor V6 de 4,0 litros, pelo trem de força de 2,3 litros de quatro cilindros. “Essa Ranger chama a atenção pelo elevado nível de conservação que se encontra. Foi de um único dono até abril deste ano”, salienta Marquesin.