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Febre e hipotermia: A importância do controle de temperatura para a longevidade da “máquina”

O motor do carro é tão suscetível e frágil às altas e baixas temperaturas quanto os seres humanos. A “febre” normalmente é fácil de ser identificada, mas, a “hipotermia” muitas vezes passa despercebida e pode provocar sérios danos à “saúde”

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Por Dr. Reparador José Tenório da Silva Junior


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Desde muito cedo aprendemos que, quando nosso corpo fica muito quente, significa que algo não está bem, mas, nem sempre sabemos a causa. Nesta matéria você vai conhecer as principais causas da elevação e da diminuição da temperatura das máquinas, humana e automotiva.

Para fazer sentido a analogia entre o corpo humano e o motor do carro, será necessário o entendimento dos princípios básicos de ambos os sistemas relacionados à temperatura.

A temperatura corporal humana, média, está compreendida entre 36ºC e 37ºC (graus Celsius), adaptando-se com facilidade ao meio ambiente externo desde que não haja condições extremas. Os seres humanos, assim como os demais mamíferos, são homeotermos, ou seja, são capazes de regular sua temperatura corporal de acordo com o ambiente.

As alterações de temperatura mais comumente notadas são: a febre (superaquecimento do corpo) e a hipotermia (resfriamento excessivo do corpo). Em qualquer um dos dois casos o sinal térmico é um alerta de que há algo errado. No caso da febre, em geral, o corpo está indicando que há algum processo infeccioso; já a hipotermia, mostra que o corpo não foi capaz de se aquecer o suficiente para superar o frio do ambiente.

Num ambiente muito quente, o controle de temperatura é realizado por meio do equilíbrio entre a perda de calor pelos órgãos periféricos, os principais mecanismos para perda de calor são: sudorese (evaporação do suor) e vasodilatação periférica.

Quando a temperatura do ambiente é muito fria, os principais mecanismos que entram em ação são: contração involuntária dos músculos (tremor), vasoconstrição periférica, piloereção (ereção dos pelos ou cabelos), secreção hormonal (principalmente da tireoide [tiroxina] e catecolaminas).

Foto 1

Para obter esse controle da temperatura do corpo humano, o cérebro utiliza uma área chamada hipotálamo (fig. 01), que age como um termostato ajustado para manter os órgãos internos a 37°C. Quando o organismo é agredido por um agente externo ou por uma doença dos órgãos internos, o termostato eleva a temperatura dois ou três graus acima dos valores de referência; esse fenômeno é conhecido como febre, que nada mais é do que uma reação do organismo contra alguma anomalia.

Entre as causas da febre destacamos as infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas. Também existem as não infecciosas, como as doenças do sistema nervoso central - hemorragias, traumatismos, tumores cerebrais, etc.

Como vimos, a febre é um mero sintoma, por isso, a escolha do tratamento adequado para ela vai depender do diagnóstico da sua causa. Para tanto, por mais simples que possa parecer, a avaliação de um médico tornar-se-á imprescindível para o correto diagnóstico, bem como a indicação da medicação correta.

No motor do carro ocorrem fenômenos relacionados à temperatura, semelhantes aos do corpo humano, e suas consequências podem ser tão drásticas quanto.

A temperatura média de trabalho do motor está compreendida entre 80°C e 100°C podendo variar minimamente de acordo com o projeto do motor. Porém, a faixa ideal de trabalho está entre 92°C e 98°C.

Para manter-se dentro desta faixa de trabalho, dois sistemas básicos são utilizados: circulação do líquido de arrefecimento (água + aditivo) e resfriamento desse líquido. (daqui para frente vou chamar o líquido de arrefecimento de “água”, para facilitar o entendimento).

Foto 2

A circulação da água é promovida pela bomba d’água (fig. 02), e o controle do fluxo é realizado pela VÁLULA TERMOSTÁTICA (fig. 03). Já o resfriamento dessa água é realizado pela ventilação natural (ar externo) ou forçada (pela ventoinha).

A bomba d’água é acionada pelo movimento giratório das polias do motor, através de correia ou corrente. Ou seja, a partir do momento em que o motor começa a girar, a bomba já começa seu trabalho, simples assim.

Foto 3

A válvula termostática funciona como uma espécie de “registro”, ela permanece fechada impedindo a passagem da água durante a fase fria do motor - até 80°C. A partir dessa temperatura ela se abre e permite a circulação da água entre motor e radiador. A dinâmica desse funcionamento é assim: motor frio, (até aprox. 80°) a válvula permanece fechada, assim, mesmo que a temperatura externa esteja baixa e o carro esteja trafegando numa avenida com trânsito livre, o ar que passa rápido pelo radiador só irá esfriar a água que está dentro dele, mas, essa água não consegue passar para o motor porque a válvula está fechada. Logo, a temperatura do motor não diminui. Quando a temperatura do motor passa dos 80°C a válvula inicia o processo de abertura para permitir que a água fria do radiador vá para o motor e a água quente do motor circule pelo radiador; e assim acontece a troca de calor.

Quando o motor atinge aproximadamente 98°C, e a ventilação externa não consegue resfriar a água que está no radiador, entra em ação a ventoinha (fig. 04), forçando o resfriamento da água para diminuir rapidamente a temperatura do motor até aproximadamente 92°C.

Foto 4

 

Nos veículos antigos esse “liga e desliga” da ventoinha é comandado por uma peça que fica localizada no radiador, chamada “termo-interruptor”, popularmente conhecido como “cebolão do radiador” (fig. 05). O funcionamento dessa peça é bem simples: quando a água que está em contato com ele chega à temperatura especificada pelo fabricante do veículo, os contatos elétricos se fecham dentro do termo-interruptor, permitindo que a corrente elétrica passe por ele e chegue até a ventoinha (semelhante a um interruptor de luz residencial). Quando a temperatura atinge o valor mínimo, os contatos se abrem e a ventoinha desliga.

Foto 5

Nos carros atuais o acionamento da ventoinha é realizado pela central eletrônica do sistema de injeção eletrônica. A temperatura de acionamento é determinada também pelo fabricante do veículo, faz parte da programação da central eletrônica de cada carro.

Funciona da seguinte forma: o sensor de temperatura do motor envia um sinal para a central eletrônica da injeção, quando o motor atinge a temperatura de limite máximo (previamente programada), a central envia comando para acionamento da ventoinha e desliga quando chega à temperatura mínima programada.

A válvula termostática é uma das maiores vilãs dos problemas relacionados à temperatura do motor. Ela tem uma vida útil limitada, que na maioria dos carros é de 50.000 km. (Essa quilometragem pode variar de acordo com o modelo do veículo e condições de uso).

A substituição da válvula termostática deve ser PREVENTIVA, ou seja, antes que ela apresente defeito. Porque se ela TRAVAR FECHADA, irá provocar superaquecimento, aumento de pressão no sistema de arrefecimento e, consequentemente, poderá estourar uma das mangueiras, vaso expansor, bomba d’água ou radiador; normalmente a peça que estiver mais frágil é a que sofre o dano.

Em casos extremos, a temperatura fica tão alta que chega a empenar o cabeçote, por consequência “queima” a junta do mesmo. Além disso, pode fundir os anéis nas canaletas dos pistões ou mesmo o travamento dos pistões nos cilindros (fig. 06).

Foto 6

Se a válvula termostática TRAVAR ABERTA, o motor ficará frio por mais tempo e quando estiver numa estrada com trânsito livre, a temperatura tende a cair violentamente. (voltaremos a falar sobre isso no tópico “hipotermia”)

Quando o motor está com “febre”, um termômetro instalado no motor chamado “sensor de temperatura”, informa ao condutor através de um marcador no painel (fig. 07) e uma luz vermelha com o símbolo característico – esse é o sinal para o motorista parar o carro imediatamente e evitar danos maiores.

Foto 7

O superaquecimento do motor, assim como a febre no ser humano, é apenas um sintoma de que algo não está funcionando bem. Por isso, o melhor a fazer é colocar o carro num guincho e levar até uma oficina especializada para diagnosticar a causa do problema.

Atenção! Sempre que houver superaquecimento há um motivo! Dentre eles os mais comuns são:

Falta d’água no sistema; válvula termostática travada fechada; bomba d´água inoperante; ventoinha inoperante; entupimento do radiador e/ou mangueiras e junta de cabeçote queimada.

Fique sabendo – O motor do carro não consome água! Se o nível do reservatório estiver baixando, significa que há vazamento!

Hipotermia

 A hipotermia é caracterizada quando a temperatura central do corpo humano fica abaixo de 35°C. Normalmente essa queda da temperatura ocorre quando a exposição ao frio ambiental é prolongada. Nestas circunstâncias, para diminuir a perda de calor, ocorre a vasoconstrição (diminuição do calibre dos vasos sanguíneos). Quando essa ação não é eficiente para evitar a queda de temperatura, surgem os tremores, que são contrações involuntárias dos músculos esqueléticos para gerar calor.

As consequências da hipotermia são: diminuição da coordenação motora, redução do nível de consciência, alteração da frequência cardíaca, respiratória e pressão arterial, podendo levar à morte. No decorrer desses eventos podem surgir lesões nas extremidades (mãos, pés, nariz, orelha e lábios), até o congelamento.

No motor do carro, a “hipotermia” pode ser provocada pela inoperância da válvula termostática (quando trava aberta) ou mesmo pela inexistência da mesma - quando EQUIVOCADAMENTE retiram essa peça, supondo que o aumento da circulação da água irá resolver o problema do superaquecimento.

Quando a válvula termostática é erroneamente retirada, a água passa a circular de forma irrestrita, ou seja, desde o primeiro momento em que o motor começa a funcionar ela já circula entre motor e radiador, logo, se estiver um dia frio, o ar que passa pelo radiador irá esfriar a água, e essa água que circula sem restrição irá esfriar o motor à mínima temperatura possível. Os problemas gerados por essa “hipotermia” do motor são:

Consumo excessivo – A central eletrônica do sistema de injeção eletrônica foi programada da seguinte forma: quanto mais frio estiver o motor, mais combustível será injetado pelos bicos. Quanto mais quente, menos combustível será necessário para suprir as necessidades do motor.

Contaminação do óleo do motor - Uma parte desse combustível em excesso não será queimada justamente porque o motor está frio. Esse combustível não queimado desce em sua forma líquida, passa pelos anéis e vai parar no óleo do motor.

Poluição ambiental – Exatamente por não conseguir queimar todo o combustível que é injetado pelos bicos, ocorre o aumento da emissão de gases poluentes, dentre eles: monóxido de carbono (CO), que é um gás sem cheiro e sem cor que pode provocar dor de cabeça, redução da capacidade respiratória e nos casos de maiores concentrações pode até matar por asfixia. E os Hidrocarbonetos (HC) que em grandes concentrações podem ser cancerígenos, ajudam a formar oxidantes como o Ozônio (O3) e contribuem para o aquecimento global.

Carbonização – Como vimos na matéria anterior “Detox automotivo”, a má queima do combustível é uma das principais causas da carbonização dos motores.

Redução da vida útil do motor – O combustível em excesso lava as paredes dos cilindros removendo parte da lubrificação, o que gera maior atrito e desgaste prematuro dos anéis. O óleo de motor atinge o seu ponto ótimo de eficiência quando o motor está entre 80°C e 100°C. Portanto, abaixo dessa temperatura o desempenho do lubrificante fica comprometido. Além disso, é relevante ressaltar que as folgas internas do motor foram calculadas considerando a dilatação em temperaturas ideais de trabalho do motor, se a temperatura estiver baixa o tempo todo, essa equação ficará comprometida. Ao contrário do que pode parecer, a “hipotermia” do motor gera grandes problemas de ordem econômica e ambiental e na maioria das vezes o problema é assintomático, ou seja, o proprietário do veículo não se dá conta de que o motor está trabalhando frio demais, ou demora muito para esquentar; daí, a importância de fazer as revisões preventivas e periódicas.

Considerações finais 

A analogia entre o corpo humano e o carro é uma forma simples para compreender os princípios de funcionamento de alguns sistemas complexos. E a familiaridade dos problemas relacionados à temperatura do corpo humano facilita o entendimento da importância do controle de temperatura da máquina automotiva.

Cuidado! O nível da água do sistema de arrefecimento deve ser verificado sempre com o motor FRIO. Porque quando o motor está próximo de 100°C a água fica sob pressão.  Logo, se abrir o vaso expansor de água do radiador (reservatório) nestas condições, correrá o risco de sofrer queimaduras de segundo e terceiro grau.

Diante de todas as informações expostas, fica claro que tanto a temperatura da máquina humana quanto a temperatura do motor do carro devem ser tratadas como prioridade. Assim sendo, cabe a seguinte observação: a responsabilidade de manter a sua própria saúde e a “saúde” do seu veículo em ótimas condições é intrínseca a você!

No mesmo sentido, destaco a obrigação que o Reparador tem em orientar o seu cliente sobre a necessidade e a importância da manutenção preventiva, sobretudo quando se refere ao controle de temperatura do motor.

Lembre-se: um veículo com falhas de funcionamento no motor pode prejudicar o meio ambiente (por conta da poluição) e a sociedade como um todo, que sofre os efeitos da má qualidade do ar e o trânsito causado quando o carro fica “quebrado” nas ruas e avenidas.

Na próxima matéria vamos falar sobre os “cérebros” do homem e do carro.

Diagnóstico da injeção eletrônica com uso de scanner – o eletroencefalograma automotivo

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