Toda moda esconde uma intenção mercadológica ou ideológica e essa é, geralmente, estimular a venda de um produto, serviço ou comportamento. Logo, longe de surgir espontaneamente, a moda é algo inventado por publicitários, marqueteiros e profissionais especializados em descobrir necessidades ou frustrações da sociedade de consumo. Na indústria automobilística um exemplo disso é a tendência off road. Ela nada mais é do que um antídoto: acusando o autogolpe provocado pela febre dos crossovers e SUVs, cujas vendas crescem além da conta e ameaçam outros segmentos, as montadoras optaram por maquiar algumas carrocerias para dar a elas um aspecto aventureiro. Com pelo menos um objetivo: se não dá para o consumidor ter um monstrão 4x4 na garagem, um hatch ou picape com aspecto invocado pode, talvez, “matar a lombriga”. A receita deu certo. Muitas montadoras têm, hoje, em seu portfólio no mínimo um off road cover para chamar de seu: Citroen Aircross, Renault Sandero Stepway, Fiat Mobi e Uno Way, GM Onix Activ etc.
A mais recente investida nesse nicho tipicamente urbano partiu da Ford. Em substituição ao Ka Trail 1.0 3 cilindros, a montadora lançou, em julho, o Ka Freestyle com o motor Dragon 1.5 TiVCT flex, também tricilíndrico, e equipado com a transmissão automática de seis velocidades 6F15. Na prática é o mesmo powertrain do Ecosport Freestyle 1.5 AT que introduziu o downsizing entre os SUVs. Trata-se do propulsor aspirado com maior potência específica por litro já produzido no País, com 90,85 cv/l, 136 cavalos de potência (e) e 16,1 kgfm de torque máximo. O hatch, que está em sua terceira geração, traz ainda outras novidades no conjunto mecânico e no visual. Ao que parece, a montadora do oval azul quer ir além do segundo lugar geral em vendas registrado no primeiro semestre do ano, quando vendeu 48.262 unidades do Ka. A ideia da Ford, que não divulga projeção de vendas, é pelo menos incomodar a tranquila liderança do Chevrolet Onix com mais de 89 mil unidades vendidas entre janeiro e julho.
Para saber se o recente lançamento da Ford tem fôlego para encarar o campeão da Chevrolet, nada melhor do que testá-lo junto aos profissionais quem mais entendem de veículos em seu dia a dia: o reparador brasileiro. Assim, entre setembro e outubro, a montadora cedeu à reportagem do Oficina Brasil Mala Direta um exemplar do Ford Ka Freestyle 1.5 AT, modelo 2019, avaliado em R$ 66.736,00 pela Tabela Fipe, para ser posto à prova em três oficinas independentes da cidade de São Paulo (SP). As escolhidas entre as que formam o Guia On Line de Oficinas Brasil foram a Nikolaus Serviços Automotivos, na Vila Mariana; a Injecar Auto Elétrico e Mecânica, no Paraíso; e a RTR Autocenter, no bairro da Saúde. Nelas, o novo hatch da Ford passou pelo severo crivo dos seguintes profissionais:
José Estanislau Germano (e) e Walter Harada (d)
O reparador e administrador de empresas Walter Harada, 71 anos e 60 de profissão, dirige uma das mais conceituadas oficinas do bairro da Saúde, zona sul de São Paulo, a RTR Autocenter, instalada há 18 anos na Avenida Bosque da Saúde 1074, quase na esquina da Avenida Ricardo Jafet. Tendo trabalhado 15 anos na Ford, onde ingressou como trainee, e comandado uma concessionária da marca por outros 13 anos, Walter é, hoje, referência obrigatória quando se trata de veículos dessa montadora. Sua experiência, no entanto, é anterior à Ford, pois com pouco mais de 10 anos já dava expediente na loja de autopeças da família. Um de seus colaboradores é o mineiro de Ouro Preto José Germano, 50 anos, e que como Walter parece ter gasolina e óleo nas veias, pois trabalha com automóveis desde os 11 anos.
Adilson Silva Oliveira (e) e André Antônio Silva dos Santos (d)
Fundada há 19 anos e instalada na Rua Arujá 46, no bairro do Paraíso, a Injecar Auto Elétrico e Mecânica caracteriza-se pelo constante entra e sai de veículos e pelo trabalho incessante de seus quase 20 profissionais. Em meio a eles, Adilson Oliveira, 51 anos e com 38 de profissão, controla o chão da oficina e o atendimento aos clientes sem descuidar dos detalhes, mesmo que o movimento mensal da oficina supere, com frequência, as 150 ordens de serviço. “Pode parecer tudo corrido, mas é um trabalho natural para quem começou na profissão ainda adolescente”, garante Adilson, que incentiva seus colaboradores a participar de cursos e palestras. Um deles é André Antônio, de 32 anos, reparador desde os 18, vindo de Belo Jardim (PE) há 14 anos. “Perdi a conta do número de cursos que fiz desde que entrei na Injecar, há cinco anos. O último foi sobre elétrica automotiva e o próximo deverá ser sobre injeção eletrônica. Aprender na prática é bom, mas a capacitação teórica é fundamental”, orienta o profissional.
Paulo José Santana (e), Pedro Demeter (c) e Euclides “Jackson” Campos (d)
Desde 1999, o engenheiro mecânico Pedro Demeter, graduado na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial) e pós-graduado em Administração de Empresas na FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo (SP), de 62 anos, dirige sua própria oficina de reparação localizada na Vila Mariana, na capital paulista. A Nikolaus – uma homenagem a seu pai – Serviços Automotivos localiza-se na Avenida Sena Madureira 52 e sua equipe conta com os reparadores Paulo José e Euclides Campos, mais conhecido como Jackson. Paulo, de 40 anos e reparador há 18 anos, começou a trabalhar no ramo com o irmão Paulo Henrique e se especializou em mecânica leve e manutenção básica. Jackson, de 52 anos, tem 31 anos de experiência e trabalhou com os primeiros veículos importados que chegaram ao Brasil após o final da reserva de mercado, em 1990.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Lançado na Europa em 1996 e em 1997 no Brasil, o Ka inaugurou o conceito new edge criado por Jack Telnack, vice-presidente de projetos da Ford Motor Company. Em resumo, esse conceito de design visava economizar tempo de produção com vincos e formas aerodinâmicas suaves e bordas fáceis de alinhar. Desenvolvido como modelo de entrada, o Ka – seu nome, em tradução livre do egípcio, significa Alma e se refere ao formato de inspiração piramidal da primeira versão – tinha sua plataforma, a Mk4, e conjunto mecânico compartilhados com o Fiesta. O modelo foi levemente reestilizado em 2002 e ingressou na segunda geração em 2008. Desenvolvida inteiramente no Brasil, a terceira geração chegou em 2012 com uma configuração de cinco portas baseado na plataforma global B da Ford, a mesma do Fiesta e 266 milímetros maior que a anterior. Produzido em São Bernardo do Campo (SP) e em Valência (Espanha), o Ka, hoje, é comercializado em 125 países e a Ford calcula já ter vendido mais de dois milhões de unidades do hatch.
Produto mundial da Ford, o Ka Freestyle 1.5 AT foi preparado para atrair o maior número possível de consumidores a começar por sua aparência: grade dianteira preta em formato trapezoidal que identifica o DNA dos veículos atuais da Ford, rodas exclusivas, faróis principais com máscara escurecidas e de neblina do tipo canhão, raque no teto e um vão livre do solo de 188 milímetros dão a impressão de o pequeno hatch ser mais do que um veículo de entrada. De fato, com os novos para-choques, o comprimento do Ka passou de 3,90 para 3,95 metros. “E o visual ficou mais bonito. Por sua grade frontal logo se identifica como um Ford. Destaco, no porta-malas, a bandeja de borracha sobre o carpete. É um detalhe que indica capricho”, comenta Pedro Demeter. “Também chama a atenção o revestimento de couro dos bancos, de excelente qualidade, e o os quase 19 centímetros de vão livre do solo”, aponta Adilson Oliveira. “De modo geral, a Ford parece ter retomado aquela tradição de carros com bom acabamento, tipo Del Rey e Landau”, completa Walter Harada.
AO VOLANTE
Além de equilíbrio, a avaliação dinâmica do Ford Ka Freestyle 1.5 AT mostrou desenvoltura suficiente para justificar sua aparência de aventureiro. Sem ter, claro, o desempenho de um 4x4, o Ka Freestyle não se intimida por pisos irregulares e esburacados e suas consequências sobre a carroceria. Afinal, ele dispõe de barras protetoras nas portas dianteiras e aços rígidos – chapas mais espessas em até 1,2 mm – na coluna B, pilares no teto e na parte traseira do assoalho. Os reforços estruturais contribuem para uma dirigibilidade mais precisa e evitar torsões. E, apesar do vão livre de 188 milímetros e do 1,57 m de altura, o hatch mostra segurança nas curvas, com pouca rolagem na carroceria. Isso devido ao sistema ARP (Active Rollover Protection) integrado aos controles de tração e estabilidade e que atua individualmente sobre os freios e a aceleração. O recurso eletrônico calcula e estabiliza o rolamento e a inclinação da carroceria para evitar capotamentos, item certamente ainda não disponível em muitos 4x4 nem como opcional.
“Ninguém diz, pelo desempenho e pelo silêncio interno, que se trata de um motor três cilindros. A vibração é praticamente zero”, admira José Germano. “Silêncio absoluto”, resume Pedro Demeter, que também não detectou diminuição de potência ao rodar com o ar-condicionado ligado. “Pelo desempenho, conforto e acabamento este me parece o melhor tricilíndrico que já testei”, julga Adilson Oliveira. O silêncio pode ser explicado pelo revestimento do capô, material isolante acústico provavelmente com lã de vidro na parede corta-fogo do cofre, para-brisa acústico e suspensão retrabalhada. Com um diâmetro mínimo de giro de 9,6 metros, pneus 185/60 R15 (d/t) e direção de assistência elétrica, Adilson Oliveira conferiu, na prática, a boa manobrabilidade do hatch. “Facilita muito o trabalho do condutor no trânsito urbano”, avalia. “Resumindo, nota 10 para sua dirigibilidade”, atribui José Germano.
MOTOR
Produzido na fábrica de Taubaté (SP) da Ford, o motor Dragon 1.5 TiVCT, com 1.497 cm³ reais, é um produto concebido para os mercados emergentes. Ele também é produzido na Índia, México e China. Segundo a montadora, trata-se do primeiro propulsor 1.5 do mundo com três cilindros, mas com desempenho de gente grande: com 90,85 cavalos por litro, 136/128 cvs (etanol/gasolina) a 6.500 rpm e 16,1/15,3 kgfm (etanol/gasolina) a 4.750 rpm de torque máximo, ele tem a maior potência específica do mercado. Mesmo com um cilindro a menos, o Dragon 1.5 TiVCT gera 26 cavalos a mais do que o 1.5 Sigma de quatro cilindros – 110 cavalos – antes utilizado pela montadora. Além de um ganho de 5% de eficiência energética, outras vantagens do Dragon sobre o Sigma são o menor atrito interno, menos peso e um tamanho 10% menor. Na prática, é o mesmo motor EcoBoost 1.5 que equipa o Fiesta europeu, só que com injeção multiponto, sem a injeção direta e o turbocompressor.
A Sigla TiVCT do Dragon tem as iniciais, em inglês, de Twin Independent Variable Camshaft, ou comando variável duplo – admissão e escape – independente. Sua construção é feita em bloco de alumínio, coletor de escape integrado ao cabeçote, correia de transmissão banhada em óleo, válvulas com tuchos hidráulicos e balancins roletados. Para reduzir o nível da vibração descompensada do motor três cilindros, os engenheiros da montadora ainda dotaram o motor com um coxim hidráulico e um eixo balanceiro com mancal hidrodinâmico. O diâmetro dos cilindros é de 84 mm e o curso dos pistões chega aos 90 mm. O motor tem quatro válvulas por cilindro – 12 –, razão de compressão é 12:1 e dispensa o tanquinho auxiliar para partida a frio quando abastecido com etanol – esse sistema de partida foi patenteado pela Ford com o nome de Easy Start. Segundo a montadora, o hatch, com o câmbio automático de seis velocidades, arranca de 0 a 100 km/h em 11,2 segundos e alcança a velocidade máxima de 180 km/h. O consumo em ciclo urbano chega a 10,7 km/l (g) e a 13,5 km/l (g) em rodovia.
Pedro Demeter aprovou a ausência do tanquinho, o comando variável de válvula e, principalmente, a correia de distribuição banhada no óleo. “O motor ganha em rendimento e com o menos peso. Também significa um avanço por ter menos peças, menos atrito e um funcionamento mais suave e menos áspero”, compara o engenheiro, que ainda reparou na quase ausência de vibração do motor tricilíndrico. “O eixo de contrapeso, com mancal hidrodinâmico, certamente tem papel fundamental nessa estabilidade”, comenta. “Provavelmente esse eixo gira junto com a corrente”, acrescenta Adilson Oliveira, que destacou a tampa de válvula com respiro, ambas feitas de plástico. “Plástico e alumínio, mais leve que esses materiais só mesmo a fibra de carbono”, admite. Já Paulo José destacou a arquitetura do motor, com flauta, bicos, bobinas e corpo de borboleta bem visíveis e acessíveis. “Ficou fácil para uma substituição das velas. Apesar de o carro não ter um cofre grande, o motor três cilindros, menor, deixa mais espaço para a intervenção do reparador. Isso facilita o trabalho”, considera. “Sim, em uma manutenção básica o carro fica menos tempos de oficina”, calcula Adilson.
Walter Harada e José Germano descobriram mais novidades, como a correia de serviços do alternador ser do tipo elástica e dispensar o tensor ou esticador. “Aqui temos uma peça a menos para quebrar, pois o tensionador conta com um rolamento que, com o tempo, acaba se desgastando antes mesmo do que a própria correia, exigindo reposição”, comenta Germano. “Essa correia elástica já vem com uma ferramenta especial para instalar e ela própria se ajusta. Também ajuda a tirar um pouco a vibração do motor”, completa Adilson Rodrigues, que detectou alguma dificuldade para acessar eletro-ventilador, radiador e mangueiras do sistema de arrefecimento pela parte de cima do motor. “O pouco espaço nessa parte dianteira, no entanto, é compensado por um maior respiro junto à parede corta-fogo, certamente para isolar termicamente a cabine”, acredita. Ainda quanto ao fator térmico, José Germano atentou para o fato que o chicote que serve o módulo de injeção poderia estar revestido de uma fita isolante ou um conduíte à prova de calor. “Os fios tendem a ressecar com a exposição à alta temperatura do motor”, acredita.
Na média das notas, o novo motor Dragon 1.5 TiVCT estreou com êxito junto aos reparadores. Pedro Demeter, Paulo José e Euclides Jackson atribuíram notas entre 8 e 8,5 ao propulsor. Por que não 10? “Porque nossa inspeção aqui foi visual e não conhecemos ainda o fundo suas particularidades. Com o tempo, quando começarmos a mexer efetivamente com ele, esse motor pode vir a merecer uma nota maior. Ou não...”, pondera Pedro. Praticamente pelas mesmas razões, Adilson Rodrigues concedeu nota 8 ao propulsor. Mais condescendentes, Walter Harada e José Germano entenderam que o motor merece nota 9 devido a sua reparabilidade e acessibilidade. “É um motor que promete ser fácil para trabalhar”, projeta José Germano.
TRANSMISSÃO
Além do Dragon 1.5 TiVCT, o Ka Freestyle 1.5 AT herdou do Ecosport Freestyle 1.5 AT a caixa de transmissão automática de seis velocidades 6F15, mas não com todos os seus recursos. Ao contrário do SUV, o hatch, literalmente, abriu mão dos paddle shifters atrás do volante, pois, nele, os controles manuais da transmissão só podem ser feitos através da manopla. Outra diferença entre os dois veículos é que a relação de marchas no Ka é mais longa do que no Ecosport.
De qualquer forma, o ganho foi vantajoso porque o hatch ficou definitivamente livre da caixa Powershift de dupla embreagem e de triste memória para os consumidores que, um dia, acreditaram em suas qualidades. Convencional e com conversor de torque integrado, a 6F15 promete trocas suaves e – segundo a montadora – isenção de manutenção, pois o “óleo da caixa é para toda a vida útil do sistema”. Ainda de acordo com a Ford, esse óleo é de ultrabaixa viscosidade e não requer troca durante pelo menos 240 mil km.
O controle eletrônico de trocas da 6F15 utiliza um sistema hidráulico com sete solenoides e inclui a função SelecShift, com capacidade de aumentar ou reduzir as marchas conforme o desejado. O SelectShift pode ser usado tanto no modo Sport (S) como em Drive (D), com apenas um toque na alavanca. Trata-se de um recurso que facilita as ultrapassagens e que conta com um sistema de aprendizado adaptativo que se ajusta ao estilo de condução do motorista para definir o momento ideal das trocas. Em resumo, o desempenho da transmissão agradou aos reparadores. “A exemplo dos carros mais modernos, o câmbio, ao frear, regride as marchas fazendo funcionar o chamado freio-motor. Isso ajuda a não forçar o freio das rodas. Essa transmissão também contribui para o conforto e o silêncio”, descreve Pedro Demeter, que não viu dificuldades na necessidade de uma eventual retirada da caixa. “Não é preciso baixar o agregado da suspensão”, completa. “A troca de marchas é excelente e, aparentemente, ajuda a economizar combustível e a manter um bom rendimento na cidade e estrada”, comenta Adilson Oliveira. “Câmbio esperto, apresenta respostas rápidas”, sintetiza José Germano.
Se a transmissão 6F15 foi bem no desempenho, uma avaliação mais cuidadosa da caixa revelou que nem tudo é perfeito. “Humm... Veja só isso aqui”, aponta André Antônio. “Há um pequeno vazamento de óleo no retentor do câmbio junto ao semieixo. E isso em um carro com três mil quilômetros! Pelo jeito, esse retentor vai logo abrir o bico”, prevê Adilson Oliveira. “De fato, não é nem um pouco normal isso. Parece mesmo uma deficiência do material em função da pouca quilometragem do veículo. A tendência é esse vazamento aumentar e, no limite, em um longo prazo, levar até à perda do câmbio se não houver um reparo imediato. Na falta desse reparo, mais tarde, um conserto de câmbio por falta de óleo ficará bastante caro”, adianta José Germano. Se for um intercorrência eventual menos mal, mas caso se confirme um problema sistemático, a Ford poderá ter problemas com a 6F15 – o que ninguém, sinceramente, deseja.
FREIO, SUSPENSÃO E DIREÇÃO
O Ka Freestyle 1.5 AT dispõe de suspensão independente tipo MacPherson à frente e, atrás, eixo de torção tipo twist-beam. Para compensar o vão do solo de 18,8 centímetros – 1,7 cm a mais que as versões convencionais do Ka e só 1,2 cm a menos que o Ecosport –, o eixo traseiro é 30% mais rígido, as bitolas são três centímetros mais largas e a barra estabilizadora dianteira ganhou 2,3 cm de espessura. Devido à altura e aos pneus maiores – 185/60 R15, com rodas de liga leve –, buchas, molas e amortecedores foram recalibrados. No caso dos amortecedores, ganharam batente hidráulico para não chegarem ao final de curso com uma pancada. Resultado: em curvas, o hatch tem comportamento de veículo baixo e mal se percebe alguma rolagem na carroceria.
Nas rodas dianteiras, os freios levam discos ventilados enquanto nas traseiras há, ainda, aqueles tambores de sempre. Avaliações anteriores registraram que o hatch, a 80 km/h, precisou de 25,6 metros para chegar à imobilidade. A caixa de direção com assistência elétrica ganhou uma calibração exclusiva para gerar respostas diretas aos comandos do volante. Seu comportamento é variável segundo a velocidade e aceleração lateral, ou seja, ela conta com um sistema inteligente de compensação capaz de diminuir o torque do volante em situação de inclinação lateral e suavizar vibrações provocadas por pequenos balanceamentos. De acordo com a Ford, a sensibilidade da direção aumentou 20% nas curvas.
Em que pese o exame undercar realizado no Ka Freestyle ter apontado um preocupante vazamento de óleo no retentor do câmbio, documentado no tópico anterior, ele igualmente revelou caprichos elogiáveis da montadora, como o catalisador revestido com uma manta defletora de calor para evitar a passagem de alta temperatura para o interior da cabine. “Muitos veículos dispõem dessa cobertura apenas na lata, enquanto a Ford adotou os dois procedimentos”, detecta José Germano. O que, entretanto, mais impressionou positivamente os reparadores foi a espessa capa de borracha, com cerca de um centímetro, revestindo o cárter do motor. “Uma espécie de airbag do cárter para diminuir o estrago das pedras e buracos, ou mesmo evitá-los”, comparou Pedro Demeter. “Uma proteção e tanto”, admira Adilson Oliveira. “Nunca tinha visto isso. Gostei, bem bolado. Essa proteção de borracha protege o cárter e ao mesmo tempo ajuda a manter o óleo aquecido”, aprecia Walter Harada.
Outra unanimidade foi a posição difícil em que a montadora encaixou o filtro de combustível, uma peça obrigatoriamente substituível a cada pelo menos 10 mil km, em toda revisão básica. “A Ford conseguiu escondê-lo atrás das mangueiras”, lamenta José Germano. “Vai dar trabalho para trocar”, antecipa Adilson Oliveira. “Sim, será preciso soltar o suporte para tirá-lo aí de dentro e, com cuidado, para não quebrar o engate rápido”, analisa Euclides Jackson. De resto, em compensação, os reparadores não enxergaram maiores dificuldades. Filtro de óleo, compressor do ar-condicionado, motor de arranque, bandejas, semieixo e até uma eventual retirada do radiador ou suas mangueiras por baixo do veículo foram resumidas em uma expressão bem ao gosto dos reparadores: na cara do gol.
ELÉTRICA, ELETRÔNICA E CONECTIVIDADE
Além do retrabalho na suspensão, os recursos eletrônicos disponíveis no Ka Freestyle 1.5 AT fazem diferença em relação aos concorrentes e confirmam que sua vocação aventureira vai além da maquiagem na lataria. Hoje nenhum de seus concorrentes diretos produzidos no País conta com controles eletrônicos de tração e estabilidade e dispositivo anticapotagem. Outras vantagens a favor são os seis airbags – com Isofix – e o assistente de partida em rampa. Entre os itens de série, o hatch dispõe de câmera de ré, sensor de ré com indicação gráfica de distância, assistente de emergência, ar-condicionado, trio elétrico e a já mencionada direção elétrica. A central multimídia com tela flutuante de 6,5 polegadas com o sistema Sync 3 e sensível ao toque permite espelhamento de smartphones via Android Auto e Apple CarPlay. Como no Ecosport, ela fica em posição elevada facilitando o acesso – e esse ainda pode ser feito por comando de voz. Os mais exigentes sentirão a ausência de um sistema de navegação integrado à central multimídia, sensores crepuscular (DRL) e de chuva, regulagem de profundidade do volante e do banco do motorista com regulagem elétrica de altura. Também falta o sistema start-stop, mas é provável que isso poucos percebam.
No cofre, quem roubou a cena da chamada parte elétrica foi a nova caixa de fusíveis, novidade em todos os sentidos para os reparadores, pois esses admitiram nunca terem visto algo semelhante, ao menos em veículos nacionais. “Já vimos isso em alguns carros importados. Aparentemente trata-se de uma espécie de central de chicotes que alimenta todos os componentes elétricos do carro. A engenharia da Ford unificou todas as fiações em um conector, na tampa da caixa, para evitar os muitos ramais de fio. A princípio, não chega a assustar, porque já vimos coisas mais complicadas. Mas precisaremos pesquisar antes de mexer nessa caixa, de preferência buscar informações junto à própria montadora ou sua rede de concessionárias. Nosso desafio será aprender a reparar essa caixa, caso haja reparo, antes de simplesmente trocá-la em caso de defeito”, explica Walter Harada. “Sim, parece um módulo que centraliza os chicotes. Vamos pesquisar para entender seu funcionamento”, confirma Adilson Oliveira. “Esta aí outra prova de que as montadoras, hoje, apostam cada vez mais na eletrônica e os reparadores não podem se acomodar ao que já sabem”, reconhece Pedro Demeter.
INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Entre os profissionais que analisaram o Ford Ka Freestyle 1.5 AT, a página do reparador Ford na internet – www.reparadorford.com.br – é conhecida, mas não necessariamente a primeira alternativa quando se trata de procurar resolver alguma dúvida técnica sobre os veículos da montadora. A primeira opção, em algumas oficinas, é mesmo a via direta. “No caso dessa caixa de fusíveis diferente, por exemplo, creio que iremos nos informar, quando for o caso, junto à própria rede de concessionárias, onde temos um bom relacionamento”, enfatiza Walter Harada. Sua oficina, aliás, a RTR Autocenter, devido à longa experiência de Walter com a Ford, costuma não ter muitas dúvidas técnicas a respeito dos veículos dessa montadora e, curiosamente, geralmente mais servir de fonte para algumas concessionárias dessa marca do que ao contrário. “Temos aqui todos os scanners disponíveis no mercado nacional e até mesmo alguns importados. Assim, às vezes, somos procurados por algumas concessionárias. Claro que ter equipamentos e experiência não é o suficiente, mas também vontade de resolver os problemas”, expõe Walter.
Na oficina de Pedro Demeter, a Nikolaus Serviços Automotivos, a internet funciona como primeira alternativa na procura de informações técnicas. Mas não a única. “Costumamos ser muito bem atendidos no nosso sindicado, o Sindirepa. Posso recomendá-lo como uma excelente fonte, com seu banco de dados”, orienta. Igualmente Adilson Oliveira, da Injecar Auto Elétrico e Mecânica, elenca o Sindirepa entre suas fontes de pesquisa, mas não abre mão da network. “A troca de informações entre os colegas, seja através do WhatsApp ou de fóruns da internet, é indispensável”, garante.
PEÇAS DE REPOSIÇÃO
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