Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os russos levaram para seu país como espólio do conflito toda a instalação da Opel, empresa que na ocasião já estava sob o manto da General Motors e que fora confiscado pelo governo russo. Um trem com 56 vagões carregados com o maquinário do Opel Kadett K38 partiu da cidade de Brandenburg (zona de ocupação soviética da Alemanha) com destino a Moscou. Começaram então, no ano seguinte, a produzir o modelo Moskvitch-400.
O Moskvitch-400 nada mais era do que o Opel Kadett do período pré-guerra, dotado de carroceria de quatro portas – produzido pela MZMA, sigla em russo para Fábrica de Carro Compacto de Moscou. O modelo compacto media apenas 3,86 metros de comprimento e era equipado com um motor de quatro cilindros, 1.047 cm³ e potência de 26 cv acoplado a uma transmissão manual de três velocidades. Na época foi considerado o melhor automóvel produzido na União Soviética. Três anos após seu lançamento mais de 26 mil unidades haviam sido comercializadas.
Diversas versões foram sendo acrescentadas ao catálogo nos anos seguintes, como furgão com carroceria de madeira e três lugares (422), picape (421) e conversível de quatro lugares (420A). Em 1954 era apresentado o 404 Sport, que adotava motor com comando válvulas no cabeçote e potência de 59 cv. O modelo também fez sucesso em mercados externos, principalmente na Alemanha Oriental e Noruega. A produção cessou em abril 1956 sendo contabilizadas mais de 240 mil unidades. A linha 400 foi substituída pelo moderno Moskvitch 402.
POPULAR SOVIÉTICO
Com o fim de produção do Moskvich 400, o mercado automotivo da antiga URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – ficou carente de um veículo popular, um modelo compacto, simples, econômico e de fácil manutenção. O modelo 402 era um carro mais espaçoso, confortável e caro, ou seja, muito distante da realidade de várias famílias que compunham o bloco.
Em 1956 o Minavtroprom (o ministério automotivo soviético), traçou diretrizes para desenvolvimento de um pequeno carro que teria características semelhantes aos veículos populares do Ocidente, focando principalmente no Volkswagen Sedã (Fusca) e Fiat 600. Entre 1955 a 1960 diversos fabricantes e institutos de pesquisas soviéticos projetaram, construíram e testaram vários protótipos de minicarros dotados de motores traseiros.
Um projeto em especial chamou a atenção do estado soviético, tratava-se do Moskvich 444, apresentado em outubro de 1957. Sua aparência e desenho tinham fortes influências do Fiat 600. Uma circunstância importante que predeterminou a escolha do modelo italiano foi que o projeto era mais recente (sua produção teve início em 1955) além de ser mais adequada às condições de produção em massa. O protótipo inicial era movido por um motor MD-65 de dois cilindros contrapostos refrigerado a ar fornecido pela fábrica de motocicletas Irbitskiy. No período de testes mostrou-se inadequado ao veículo, pois produzia parcos 17,5 cv e durava apenas 30 mil km.
A busca por outro motor mais adequado foi iniciada e levou os dirigentes do estado soviético a dar preferência por um trem de força refrigerado a ar, que o NAMI (Instituto Nacional do Automóvel Soviético) tinha na prancheta, o NAMI-G, um curioso V4 de 90 º refrigerado a ar de 746 cm³. Entre suas peculiaridades incluía bloco de liga de magnésio e um resfriador de óleo montado na traseira. Esse propulsor inicialmente havia sido concebido para LuAz-967, um pequeno veículo anfíbio soviético com tração nas quatro rodas.
CAMARADA UCRANIANO
Em 1958, na Ucrânia, um grupo de engenheiros trabalhava em paralelo na concepção de um veículo popular que pudesse atender às demandas do bloco de países que compunham a URSS. No ano seguinte um time de projetistas da Moskvich passaram a trabalhar em conjunto com os engenheiros da ZAZ, sigla para Zaporizkyi Avtomobilnyi Zavod – Fábrica de Automóveis da Zaporijía, na concepção de um modelo que mesclasse estudos técnicos de ambas as marcas.
O ministério automotivo soviético aprovou o projeto e determinou que o novo veículo entrasse em produção na fábrica reformada da ZAZ, sob sua designação final ZAZ-965. A fabricação seriada teve início em outubro de 1960. O ZAZ-965 Zaporozhets era um pequeno dois volumes, duas portas e motor traseiro. Com apenas 3,33 metros de comprimento, 1,39 m de largura, 1,45 m de altura e 2,02 m de entre-eixos, pesava 650 kg. O preço do novo compacto surpreendeu: 1.800 rublos contra 2.511 para o Moskvich 402 e 5.100 para o Volga 21.
A inspiração estética no Fiat 600 ficava nítida nas linhas arredondadas como capô, faróis, luzes de direção, para-brisa, para-choques e rodas. A diferença visual mais latente em relação ao modelo italiano estava na porção da metade traseira. Para abrigar o novo motor V4, os traços do ZAZ diferiam em alguns aspectos. As linhas iniciavam nos para-lamas dianteiro e culminavam com uma pequena saliência no fim da carroceria. Como no 600, as portas do 965 abriam-se para trás, conhecidas como suicidas. O interior simples era composto por um painel em chapa de aço, um sutil quadro de instrumentos e um grande volante de dois raios.
Na concepção técnica, o ZAZ trazia um motor fabricado pela MeMZ (Fábrica de Motores de Melitopol, uma cidade da Ucrânia). O propulsor tinha quatro cilindros em “V” e 746 cm³. Era arrefecido a ar e tinha comando de válvulas no bloco, debitava 23 cv e torque de 4,6 m.kgf, números suficientes para o modelo atingir velocidade máxima de 80 km/h. Acoplado ao motor estava câmbio manual de quatro marchas (primeira não sincronizada), com alavanca de mudanças no assoalho e a tração era traseira.
A suspensão era independente nas quatro rodas com barras de torção nas rodas dianteiras e os pneus na 5.20-13 eram maiores para ajudar no deslocamento nas más condições das vias de rodagem do país. Toda concepção mecânica foi idealizada para ser robusta, de fácil manutenção – contribuía para isso o arrefecimento a ar, que evitava o congelamento do líquido dentro do motor em dias de frios rigorosos. Porém, uma das desvantagens era o ineficaz aquecimento interno para os ocupantes.
Nos anos seguintes melhorias foram acrescentadas na linha 965, com a introdução de um motor mais potente de 887 cm³ e 27 cv e torque de 5,3 m.kgf que permitia alcançar 90 km/h. A versão de exportação do 965AE para os mercados ocidentais também foi produzida e atendia pelos nomes de Yalta ou Jalta. Apresentava melhor acabamento interno e isolamento acústico, além de rádio como equipamento série.
Em maio de 1969 a produção do ZAZ-965 chegava ao fim. Apesar da desconfiança inicial do 965, ele se mostrou um veículo acessível e popular entre os soviéticos, tornando-se o “carro para aposentados e intelectuais”. Eles eram os carros mais baratos de fabricação soviética. Um grande número de exemplares, 965 foram modificados para pessoas com deficiência (soldados mutilados nos combates tinham isenção de impostos), além de uma versão com direção do lado direito para empresas de correspondências. Foram produzidas um total de 322 mil unidades.
VISUAL ELABORADO
A segunda geração dos Zaporozhets, agora conhecidos pela denominação 966, entrou em produção em novembro de 1966. Ele apresentava uma carroceria completamente nova e concebida inteiramente pela ZAZ. Tratava-se de um pequeno sedã de três volumes e duas portas, que media 3,73 metros de comprimento, 1,53 m de largura, 1,37 m de altura, 2,16 m de entre-eixos e peso de 720 kg. Detalhe curioso era a simulação de grade dianteira, embora o motor tivesse sido mantido na parte de trás como o 965, isso era perceptível pelas abas laterais proeminentes.
Dotado de linhas mais retas, o 966 estava em sintonia com o padrão visual adotado mundialmente daquele período. Alguns erros de projeto também foram corrigidos pelos engenheiros da ZAZ como barras de torção que perdiam a tensão, portas suicidas e superaquecimento e ruído do motor. O interior estava com um pouco mais espaço, contava com bancos dianteiros individuais reclináveis e como era comum nos anos de 1960 o painel tinha velocímetro com escala horizontal.
O motor V4 de 887 cm³ e 30 cv era o mesmo do modelo 965, já não conseguia dar a mesma agilidade ao modelo que estava mais pesado. Para contar a situação o motor MeMZ tinha a cilindrada aumentada para 1,2 litros, que oferecia 40 cv e torque de 7,5 m.kgf, que permitia ao modelo alcançar a velocidade máxima de 120 km/h. Para linha 1971 foi acrescentado ao catálogo um motor com maior taxa de compressão, que exigia utilizar uma gasolina de alta octanagem, com potência de 50 cv e 8,5 m.kgf de torque. Já a suspensão traseira passava a ser independente por braços arrastados.
MELHORIAS CONSTANTES
Em 1971 era apresentado o ZAZ-968, que tinha como novidade o visual dianteiro em que a falsa grade dava lugar a uma barra horizontal cromada. Os piscas dianteiros passaram para as extremidades das laterais e a luz de ré foi incorporada à carroceria. Internamente o painel recebia termômetro de óleo. A versão 968A aparecia em 1974 e com ela melhorias em segurança com a inclusão de um painel acolchoado, módulos dos instrumentos dentro de um caixa plástica, cintos de segurança, maçanetas internas embutidas e duplo circuito de freios.
Em 1979, chegou ao mercado a série 968M. A diferença visual mais evidente ficava por conta da remoção das salientes entradas de ar, substituídas por estreitas fendas, o que deixou o aspecto dos para-lamas mais “limpos”. Já as peças cromadas foram substituídas por ornamentos em plástico preto. O estepe foi movido para o compartimento do motor. Os para-choques passaram a contar com proteção de borracha. Na traseira as lanternas, que antes eram arredondadas, foram trocadas por outras de formato retangular. Na parte mecânica somente o motor mais potente de 40 cv estava disponível.
O 968M foi o modelo Zaporozhets mais contemporâneo e também passou a maior parte do tempo em produção, abrangendo uma carreira comercial de 1979 a 1994. Qualidades como baixo preço, mecânica simples e de fácil manutenção, carroceria resistente e aptidão para trafegar em estradas mal pavimentadas fizeram o diminuto carro um símbolo da extinta União Soviética. Hoje são objetos de coleção e reúnem diversos admiradores ao redor do globo. Em seus 34 anos de produção foram comercializados mais de 3 milhões de unidades.
RETRÔ SOVIÉTICO
Hoje em dia com o advento das redes sociais, tendo o aplicativo de fotos Instagram como um dos mais usados no planeta, passamos a conhecer lugares, pontos turísticos e pessoas que até alguns anos atrás só seria possível contato por intermédio de cartões postais e cartas manuscritas. Até mesmo a barreira do idioma é facilitada pelos aplicativos de tradução. Para os apreciadores dos automóveis antigos como nós aqui da seção Do Fundo do Baú, esses recursos nos ajudam a contar a história de modelos que antes seriam impossíveis de realizar devido ao fato tempo/espaço.
É o caso do modelo que ilustra essa edição, o simpático minicarro soviético ZAZ Zaporozhets 966B, ano 1972, de propriedade do gestor de marketing, Raman Novozhilov, 31 anos, morado de Minsk, capital da Bielorrússia. O dono relata que após tirar sua carteira de habilitação foi buscar a realização de um sonho do carro da marca Zaporozhets. “Sempre me simpatizei com o estilo retrô dos carros soviéticos em especial os da marca Zaporozhets, pelo seu tamanho em miniatura, linhas da carroçaria, facilidade de manutenção e o motor refrigerado a ar”, explica.
O modelo que ilustra a reportagem é a versão 966B (ЗАЗ-966В em cirílico), em que o B significa temporário. Essa variante é uma espécie de híbrido, pois adota o visual renovado, mas era equipado com o motor de 30 cv oriundo da primeira geração chamada de 965. Também 1972 foi o último ano de produção do ZAZ-966.
Novozhilov conta que adquiriu o modelo de um amigo próximo. “Comprei este carro de um amigo meu, pois ele tinha 2 deles e os dois estavam em boas condições. Para que o carro ficasse nas mãos certas e ele pudesse seguir seu destino, ele me vendeu”, disse.
O modelo não tinha motor, o interior estava gasto e as rodas estavam em mau estado. Já a carroceria estava em boas condições e não apresentava ferrugem. O processo de restauro durou 4 anos, muitas peças vieram da Ucrânia, Rússia, Polônia. Cada parafuso, porca, foi galvanizado. O motor foi trocado por uma unidade mais nova de 1,2 litros de 40 cv. A cor não é original de fábrica, o tom bicolor foi ideia do proprietário.
Desde o fim da restauração, o valente ZAZ 966-B já percorreu 10 mil km e visitou dois países. Uma viagem memorável para o dono foi realizada em 2016, quando foi dirigindo o ZAZ até a cidade de Zaporozhye, onde em 1972 este carro saiu da fábrica. “Foi um encontro de amantes de carros ZAZ. Um encontro muito acolhedor e de pessoas amantes da marca. Embora tenha sido cansativo percorrer 1.500 km de estradas, a viagem trouxe muita alegria e satisfação”, diz Raman.
O gestor diz que quer mantê-lo nas melhores condições possíveis e dá-lo ao seu filho quando ele crescer. “Quero curtir o ZAZ com meu filho, participando de exposições e nos divertindo”. O próximo sonho a ser realizado será comprar um GAZ 21. “Este também é um carro soviético, mas já de uma classe completamente diferente, da qual também gosto muito”, explica. Bem, nós da seção Do Fundo do Baú teremos uma grade alegria em poder relatar essa história futuramente.