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Veraneio de Luxo: modelo versátil que aliava conforto e valentia de um utilitário

Equipada com potentes motores, grande espaço interno, a Veraneio foi símbolo de status em uma época de mercado fechado às importações

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Por Anderson Nunes


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A General Motors chegou ao Brasil por meio da Manufacturing Facility. A Companhia Geral de Motores do Brasil foi registrada no Tabelionato de São Paulo no dia 26 de janeiro de 1925. Naquele mês, deu-se o início das obras da primeira linha de montagem. O local escolhido era um grande galpão localizado na Avenida Presidente Wilson, 201, no bairro paulistano do Ipiranga, símbolo da emergência industrial da metrópole nos anos 20, próximo da ferrovia Santos-Jundiaí.

Em setembro, oito meses depois da fundação, a empresa trouxe a público seu primeiro veículo com a marca Chevrolet, um pequeno furgão de carga. Era um prenúncio de que os utilitários seriam a mola propulsora no desenvolvimento da marca no país. O Brasil vivia momentos de entusiasmo com o aumento das vendas de café no mercado internacional e logo para escoar a produção se fazia necessário ter veículos robustos para transportar o “ouro negro” até os portos e assim ganhar o mundo.

Desde o início os utilitários da Chevrolet ganharam fama e reputação, devido a praticidade de manuseio e mecânica confiável. No início de 1956, com a criação do GEIA, Grupo Executivo da Indústria Automobilística, pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, para incentivar e ordenar a implementação da indústria automobilística brasileira, a General Motors lançava um ano depois o primeiro caminhão brasileiro, o Chevrolet Brasil. A picape chegaria em julho de 1958, batizada de Chevrolet 3100, ficando conhecida como “Expresso de Aço”.

PRIMEIRA VARIAÇÃO

A primeira variação da linha Chevrolet 3100 foi apresentada no final de 1960, sendo batizada de Amazona. O modelo foi inserido em uma categoria cuja a definição era “camionete de uso misto” – ou seja, veículo de passageiros, destinada mais ao lazer que ao transporte de carga. Com o tempo surgiu a definição popular de “perua” (wagon). 

Embora fosse inspirada nas Station Wagon norte-americanas da época, a Amazona era um produto desenvolvimento especificamente para o mercado brasileiro. Da dianteira até a metade da cabine o visual era o mesmo aplicado à picape Chevrolet Brasil da série 3100; daí para trás, uma ampla perua de três bancos e oito lugares, com a particularidade de uma terceira porta lateral apenas no lado direito. A tampa do porta-malas era pequena, o vidro traseiro não era do tipo basculante, além dos bancos que podiam ser removidos. A carroceria era produzida pela Brasinca, localizada na cidade de São Caetano do Sul, algo que facilitava a logística, pois a empresa era vizinha da GMB. 

A Amazona era equipada com o motor de seis cilindros em linha, 261 pol³ (4,2 litros) e 142 cv a 4.000 rpm de potência bruta, o mesmo aplicado nas picapes. Com bom torque em baixos regimes -- 31,7 m.kgf brutos a 2.000 rpm --, levava a pesada perua (1.850 kg) de 0 a 100 km/h em 21 s, com velocidade máxima de 138 km/h.  As suspensões usavam eixos rígidos e molas semielíticas; diferencial bloqueante (“tração positiva”) era opcional e o câmbio tinha três marchas. Para a linha 1963 a novidade era frente, agora com quatro faróis integrados, além da grade redesenhada com o nome Chevrolet escrito por extenso.

NOVA FAMÍLIA DE UTILITÁRIOS

Em 1964 era apresentada uma nova linha de veículos comerciais da GMB, batizada de Linha C – uma evolução da antiga Chevrolet 3100. Os novos veículos foram totalmente desenvolvidos pelas equipes de engenharia local. Com o mote “Um novo conceito em utilitário”, a linha C unia a robustez para o trabalho pesado e conforto para aos passageiros. Isso ficava evidente no interior do veículo com a inclusão de bancos mais aconchegantes, pedais suspensos além de um espaço próprio no painel para a instalação do rádio.   

No final de 1964, no Salão do Automóvel, ainda realizado no pavilhão do Ibirapuera, em São Paulo, a Amazona cedia lugar a uma nova perua: a C-1416. Com 5,16 metros de comprimento, a nova perua abusava dos cromados nos para-choques, calotas, grade e maçanetas, conferindo um aspecto luxuoso ao modelo. Mais baixa, suspensão dianteira era do tipo independente com molas helicoidais, na traseira eixo semiflutuante, com amortecedores telescópicos. Os freios eram a tambor nas quatro rodas, com comando hidráulico.

A ampla área envidraçada conferia ótima visibilidade, destaque era o para-brisa envolvente. As quatro portas facilitavam o acesso ao interior do veículo que contava com duas fileiras de bancos podendo transportar seis passageiros, graças ao entre-eixos de 2,92 m. Outra novidade era a inclusão da grande tampa traseira que se erguia junto do vidro, o que facilitava o acesso ao porta-malas. O tanque de combustível comportava 70 litros.

Para a linha 1969 a perua C-1416 recebeu o nome de Veraneio, em alusão ao uso em lazer, nas férias de verão. Porém, ao contrário da linha de picapes que passaram a ter apenas dois faróis em 1967, a Veraneio manteve os quatro faróis, contudo ganhou uma grade de desenho mais simples. O robusto motor de seis cilindros de 4,2 litros, apelidado de Chevrolet Brasil, passava por leves modificações para alcançar 149 cv a 3.800 rpm e torque de 32 m.kgf a 2.000 rpm. Para aproveitar o ganho de potência, o câmbio teve a segunda marcha encurtada, o que melhorou a agilidade: o 0 a 100 km/h baixou de 20,7 para 18,3 segundos, excelente para a época. A velocidade máxima era de 144 km/h.

O acabamento mais requintado batizado De Luxo surgiu em 1970 trazendo um novo padrão de acabamento, com apliques no painel imitando jacarandá, painéis de porta redesenhados, rádio, porta-malas acarpetado, faixas pintadas nas laterais, garras nos para-choques e calotas integrais. Na lista de opcionais estavam os bancos dianteiros reclináveis, pintura metálica e revestimento do teto em vinil. 

Mudanças estéticas ocorreram para a linha 1971 com a inclusão de dois faróis de maiores dimensões e a grade dianteira formada por três frisos horizontais com o logotipo no centro. Dois anos depois a tão aguardada direção com assistência hidráulica passava a figurar na lista de opcionais. O volante de três raios de menor diâmetro indicava a presença da assistência hidráulica produzida pela ZF.

Com a crise do petróleo que se abateu sobre o mundo em 1973, o preço da gasolina passou a aumentar de forma significativa, muitas vezes chegou a faltar combustível nos postos. Esse fator fez com que a GMB passasse a ofertar motores mais econômicos para sua linha de utilitários. Em 1977 a Veraneio passou a utilizar o motor de 2,5 litros de quatro cilindros do Opala, com 90 cv a 4.500 rpm e 18 m.kgf a 2.800 rpm. 

A última mudança estética ocorreu em 1979 com a introdução de um novo capô e a grade que passou a ser confeccionada em material plástico com seis retângulos vazados tendo a gravatinha Chevrolet fixada ao centro. No campo da segurança a novidade era a chegada dos freios dianteiros a disco e, em 1981, o motor Chevrolet Brasil de 4,2 litros foi substituído pelo seis cilindros de 4,1 litros do Opala, movido a gasolina ou álcool e acoplado a um câmbio de quatro marchas com alavanca no assoalho.

VOLTA DO PESO PESADO

Em abril de 1989, quatro anos após a reformulação da sua linha de picapes, em que a série A/C/D-10 era substituída pela A/C/D-20, a Veraneio também passava a seguir o visual aplicado às caminhonetes: adotava linhas retas e interior modernizado. Vale lembrar que nesta época, diversas empresas independentes transformavam picapes em luxuosos modelos de cabine dupla ou em formato de grandes peruas, sendo uma das mais tradicionais a Brasinca, que já oferecia duas versões de picapes Chevrolet convertidas em peruas: uma com chassi longo, chamada Manga Larga, outra com chassi curto, batizada de Passo Fino.   

Atenta ao interesse dos clientes nesses veículos, a GMB, em uma jogada de marketing, resolveu ofertar suas próprias versões e contratou a Brasinca para desenvolver suas carrocerias. Desse modo, a Manga Larga recebeu o selo Veraneio e a Passo Fino passou a ser chamada de Bonanza, ambas vendidas em concessionárias Chevrolet. Havia poucas diferenças entre uma marca e outra, a mais evidente era que na Bonanza o estepe foi para dentro do porta-malas (antes fixado do lado de fora da tampa traseira). Os vidros laterais traseiros envolventes, que juntavam com o teto, passaram a ser planos nos modelos da Chevrolet. 

A nova Veraneio era oferecida em duas versões: Custom S e Custom De Luxo. O topo de linha De Luxe vinha equipada com rodas esportivas calçadas com pneus mais largos, vidros verdes, para-brisa degradê, limpador, lavador do vidro traseiro e para-choques na cor do veículo com proteção de borracha. Internamente o assoalho e porta-malas recebiam revestimento em carpete, luzes de cortesia nas quatro portas, luz de leitura de duplo foco no teto, além de painel de instrumentos com conta-giros, relógio e voltímetro.  

Entre os opcionais havia faixas decorativas nas laterais e na tampa do porta-malas, trava, retrovisores e vidros elétricos nas quatro portas, diferencial autoblocante, rádio AM/FM estéreo com quatro alto-falantes e ar-condicionado. A direção com assistência hidráulica era item de série tanto na versão Custom S como na Custom De Luxo.

Por exigência legal da época, a Veraneio só era produzida com o motor de seis cilindros de 4,1 litros e com potência de 121 cv a gasolina (140 cv a álcool), ambos acoplados ao câmbio manual de quatro marchas Clark 260F. Mesmo pensando 2.184 kg, a Veraneio podia atingir velocidade máxima de 140 km/h. Em 1991, a legislação sobre veículos a diesel era alterada, segundo as novas regras, versões de carroceria do tipo perua poderiam ser equipadas com este tipo de motor, desde que tivesse capacidade de carga declarada acima de 1.000 kg. 

Logo a Veraneio passou a ser vendida com o motor diesel Perkins Q20B de quatro cilindros de 3,8 litros, com potência de 90 cv a 2.800 rpm e torque de 28 m.kfg a 1.600 rpm. Havia entretanto duas desvantagens nesta troca: a primeira era em relação ao desempenho, já que a velocidade máxima era de apenas 124 km/h e a perua demorava 36 segundos para atingir o 0 a 100 km/h. Outro ponto negativo era o nível de ruído interno, bem mais alto que nas versões a gasolina e álcool. O ganho se dava na autonomia já que o tanque de combustível de 88 litros permitia rodar quase 1.100 km (contra apenas 530 km da versão a gasolina). 

Em 1993, a Veraneio recebeu a primeira (e única) reestilização, com a adoção de faróis trapezoidais, herdados do Opala e uma nova grade. No interior a novidade era o painel, que recebeu instrumentos redesenhados agrupados em um único módulo retangular. Entre os opcionais havia o 3º banco (podendo transportar até nove pessoas), console central com porta-copos, ar-condicionado com extensor para o compartimento traseiro e direção de assistência eletrônica Servotronic.  Havia também duas novas opções de motores Maxion diesel, de quatro cilindros e 4,0 litros, em versões turbo (120 cv) e aspirado (92 cv), ambos acoplado à transmissão manual de cinco marchas ZF 5-42. Tanque de combustível comportava agora 126 litros.

Já enfrentando concorrência ferrenha dos utilitários esportivos importados que ofereciam mais tecnologia, conforto e itens de segurança, por preços semelhantes, a carreira comercial da Chevrolet Veraneio chegou ao fim em meados de 1994. Uma tentativa de sucessão foi feita em 1998 com o lançamento da Grand Blazer, derivada da picape Silverado feita na Argentina. Mas a desvalorização do real no ano seguinte elevou seu preço, além da concorrência interna com a irmã Blazer. Hoje a Chevrolet Veraneio tornou-se símbolo de época e item de coleção. 

DONA VERA

Há muito tempo que as picapes e os utilitários deixaram de ser meros veículos de trabalhos e passaram a serem carros de uso diário e passeio. O mesmo vale para os carros de coleção, nicho em que a cada dia que passa picapes e seus derivados estão caindo no gosto dos colecionadores. Esse é o caso da Chevrolet Veraneio De Luxo, ano 1989, que ilustra nossa reportagem.

O veículo pertence a um administrador de empresas que preferiu o anonimato. Ele nos contou que sua paixão pela Veraneio vem desde a infância, pois na garagem da família passaram as picapes D-20, suas respectivas versões familiares, a Bonanza e Veraneio. “Na minha infância os Chevrolets faziam sucesso na família, foram diversos modelos e essa paixão ficou até hoje. Especialmente pelas picapes D-20, Bonanza e Veraneio”, relata.

A Chevrolet Veraneio da reportagem pertenceu anteriormente a um único proprietário, um senhor de idade avançada, que era piloto de aviões e dentista, acima de tudo um aficionado por motores potentes. O administrador de empresas disse que ele junto com o irmão estavam à procura de uma Veraneio para recordar os tempos de infância. Foi quando encontraram a “Dona Vera” anunciada. Quando chegaram ao local combinado e puderam avistar a Veraneio foi paixão à primeira vista. 

“Meu irmão o convenceu a nos alugar o carro por alguns dias. Isso mesmo, alugar! A compra foi um processo gradual. Tudo feito no bom e velho “fio de bigode”, sem nada por escrito. O vendedor antes de aprovar, veio até nossa casa para conhecer e ver onde o carro ficaria. Após o período de locação, tudo se acertou e efetuamos a compra da Dona Vera”, explicada sorridente.

Hoje a Chevrolet é um veículo de coleção, devidamente registrado e sai somente aos fins de semana para os passeios em família, fazendo a alegria de quem a vê e faz um passeio nela. Espaço de sobra, muita área envidraçada, força e suspensão para qualquer aventura. 

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