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Fiat Uno Mille ELX, o modelo que apresentou ao Brasil o conceito de city car europeu

O automóvel com motor 1,0 litro e jeitão topo de linha, o Mile ELX derrubava o mito de que carro popular tinha de ser despojado. O veículo já se consagrou como um veículo icônico da montadora italiana e recebe elogios por todos os lados

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Por Anderson Nunes


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Pouco mais de dois anos após seu lançamento (agosto de 1990), o Fiat Uno Mille, modelo que foi o primeiro a se beneficiar da redução da alíquota de IPI de 40 % para 20%, alcançou um sucesso de vendas imediato, sendo comercializadas cerca de 150 mil unidades neste período. 

Graças à atuação de vanguarda, a Fiat Automóveis conseguiu ótimos resultados de participação de mercado, saltando de 15,3% em 1990, para 21,1% em 1992. As vendas do Mille, somadas ao mix de produção da empresa, consolidaram a fabricante de Betim como a segunda maior fabricante de veículos do país.

Os números de vendas alcançados forçaram os demais fabricantes a seguirem seu exemplo, primeiro foi a General Motors, com o lançamento do Chevette Junior, em abril de 1992, na sequência, em outubro do mesmo ano a Volkswagen lançava o Gol 1000. Entretanto a Fiat não se deixou por vencida e demostrou ter munição para continuar a batalha não só para continuar na liderança no segmento dos veículos de motor de 1 litro, mas também para atender às novas normas de controle de poluição.

 A resposta chegou em dezembro de 1992 batizada de Uno Mille Electronic, que trazia um sistema de ignição digital, do tipo estática. Além da eletrônica, a Fiat passava a ofertar a versão de quatro portas e ar-condicionado, uma primazia entre os veículos populares.

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Os desafios enfrentados pela área de engenharia da Fiat para criar o Mille Electronic passaram pelas cifras. Afinal, como eliminar a necessidade do uso do catalisador sem adotar a injeção e a ignição eletrônica, sem inviabilizar o preço final do veículo? 

A solução encontrada foi o meio-termo: mantinha-se o uso do carburador, enquanto a ignição seria digital mapeada. Para tanto os engenheiros da Fiat fizeram um retrabalho no motor e adicionando parcialmente a eletrônica, desse modo conseguiram extrair do pequeno trem de força de 994 cm³, quase 20% a mais de potência e 15% a mais de torque. 

Para alcançar tais números o motor de 1,0 litro teve sua taxa de compressão aumentada de 8,5 para 9,5:1 – o que, em si, já significa mais potência e torque. O diagrama do comando de válvulas foi avançado: as válvulas de admissão agora abriam a 13° e fechavam a 31° (Mille comum: 8° e 36°) e as válvulas de escape de 43 ° e 1 ° (contra 38° e 6 °). Para alimentar o motor foi adicionado um carburador Weber de corpo duplo 28/32, dignos de trem de força do dobro de cilindrada. A potência declarada para o Mille Electronic era de 56 cv a 6.000 rpm e o torque de 8,2 m.kgf a 3.250 rpm, contra 47 cv a 5.750 rpm e 7,1 m.kgf a 3.000 do Mille normal. Outra mudança efetuada era a nova relação de quinta marcha mais curta no Electronic, que era de 0,959 contra 0,863 da Mille básico.  

O grande chamariz ficava por conta do sistema digital de ignição mapeada Microplex da marca Magneti Marelli que era quase o mesmo utilizado nos modelos Fiat dotado de motor 1,5 litro com injeção eletrônica monoponto. O conjunto era composto por uma unidade de comando, um módulo de potência (envia tensão para as bobinas), dois sensores eletromagnéticos, uma polia, que indica o ponto superior dos pistões 1 e 4, além de um volante de 117 dentes, que media a rotação do motor, um sensor de detonação no cabeçote, por fim um sensor de pressão no coletor de admissão e um termosensor para líquido de arrefecimento. Estes sensores enviavam informações instantâneas à unidade central do comando, que possuía em sua memória um mapa com 256 pontos de avanço da ignição – cada qual ideal para as condições momentâneas de trabalho do motor. 

Para atuar em conjunto com a Microplex, a Fiat desenvolveu sistema batizado de Ecobox, que controlava a alimentação do motor e as emissões de poluentes com o motor frio e na fase de aquecimento. Eram duas eletroválvulas e cinco válvulas de retardo acopladas ao carburador. Externamente havia uma termoválvula, termointerruptor, duas restrições de calibração, um filtro de ar térmico (Thermac) e um comando de lavagem do cannister que controlava as emissões de vapor. 

Quando se puxava o afogador, uma das eletroválvulas bloqueava o funcionamento do segundo corpo do carburador, melhorando a dirigibilidade e limitava a emissões de gases, situação crítica na fase em que o motor está frio. Assim que o motor atingia a temperatura ideal de funcionamento, a segunda eletroválvula retardava o fechamento da borboleta em desaceleração e inibia o sistema suplementar de injeção de gasolina, existente no segundo corpo do carburador. 

Resultado aparecia em números de acordo com um teste promovido pela revista Auto Esporte: enquanto o Mille normal fazia de 0 a 100 km/h em 21,5 segundos, o Mille Electronic fazia o mesmo tempo em 17,4 s. Nas provas de retomadas de velocidade, as diferenças eram ainda mais evidentes, com o Electronic tirando seis segundos do tempo necessário para o Mille comum ir de 80 a 120 km/h em quarta marcha (19,64 contra 26,66 s). A velocidade máxima saltava de 133 km/h para 152 km/h no Electronic.

Com o lançamento do Mille Electronic a Fiat mudava o equilíbrio de forças no segmento de veículos dotados de motor 1 litro, dando ao modelo um comportamento dinâmico de um veículo equipado com um motor equivalente de 1,3 litro. Mas a concorrência estava se movimentando e em breve os substitutos do VW Gol de primeira geração e Chevrolet Chevette estariam na cola do Uno Mille.

ASCENSÃO SOCIAL

Em março de 1994 a General Motors lançava no Brasil o Corsa, um modelo revolucionário e dotado de um visual arrojado, que havia sido apresentado pela então subsidiária da GM, a Opel, na Europa um ano antes. Dotado de um motor 1,0 de quatro cilindros com injeção eletrônica monoponto, não era muito potente, desenvolvia 50 cv e torque máximo de 7,7 kgfm. O modelo foi um sucesso imediato e causou alvoroço, gerando uma elevada demanda que a GM não tinha como dar conta. Conclusão: devido à alta procura e poucas unidades disponíveis à pronta-entrega, algumas lojas começaram a vender o Corsa com sobrepreço – o famoso ágio. Foi preciso até o vice-presidente da GM do Brasil, André Beer, gravar um vídeo veiculado na televisão e pedir calma aos consumidores e não pagarem o valor acima da tabela pelo modelo.

Essa briga de mercado gerou uma resposta imediata da Fiat ao pequeno Chevrolet. Partindo do Mille Electronic, o fabricante mineiro adicionou vários itens de conforto e conveniência ao seu compacto e o batizou de “Kit Electronic Luxo” (ELX). Era disponível de forma opcional e primeiramente na versão quatro portas e incorporava, entre outras alterações, a nova dianteira aplicada ao restante da família Uno, com grade e faróis mais estreitos.

Outros diferenciais externos eram os dois espelhos retrovisores de série, pneus mais largos de medida 165/70 (Mille Electronic 145/70) e supercalotas, semelhantes às utilizadas no Uno CS. A identificação era feita por decalques aplicados na tampa do porta-malas e nos para-lamas dianteiros. Outro diferencial era o catálogo de cores, que contava com 11 opções de tonalidades: Branco Real, Vermelho Monte Carlo, Preto Etna e Verde Forest (pinturas sólidas); Verde Itajaí, Cinza Torino, Azul Caribe e Verde Turmalina (pinturas metálicas) e por fim Vermelho Perolizado, Azul Gurundi e Cinza Savelha (pinturas perolizadas). 

Internamente o destaque ficava por conta do mesmo painel de instrumentos de formato mais arredondado, com cinzeiro embutido na parte superior central, novas saídas de ar e uma nova caixa de ar (ventilação de duas velocidades), com controle deslizante para o direcionamento da ventilação. Outros aprimoramentos era adoção do limpador de para-brisa com temporizador, console central e novo pomo da alavanca de câmbio, retrovisor interno dia/noite e espelho de cortesia no para-sol direito. A luz de cortesia foi postada no centro do teto, forração do tipo pré-moldada, com interruptor na porta do motorista. 

Os bancos, bem como os painéis laterais das portas, ganharam revestimentos em tecido aveludado em tom cinza com o logotipo da Fiat estilizado em várias cores. Os cintos dianteiros passaram a contar com ajuste de altura. Entre os opcionais o comprador dispunha de vidros elétricos na dianteira, trava elétrica das portas, relógio digital, vidros verdes, desembaçador com ar-quente, limpador/lavador do vigia traseiro e vidro térmico traseiro. 

Introduzido no mercado pela primeira vez com o Mille Electronic, o ar-condicionado “inteligente” foi desenvolvido especialmente para o modelo pela área de engenharia de produtos da Fiat em parceria com a Nipondenso. O conceito era simples: para que o ar-condicionado não influenciasse no desempenho do veículo em um momento de ultrapassagem, subidas de ladeiras íngremes onde era requerida mais potência do motor, o compressor era desligado automaticamente durante 15 segundos assim que o pedal do acelerador era pressionado mais a fundo. 

Antecipando sua linha 1996, em julho de 1995, a Fiat lançava o Uno Mille EP (Extra Power) como substituto do Mille ELX. A novidade era a adoção da tão aguardada injeção eletrônica do tipo monoponto que elevava a potência do motor para 58 cv – 2 a mais que o antigo ELX. Visualmente ganhava novas calotas, lanternas traseiras com lente fumê e plaquetas nos para-lamas com a inscrição “1.0 i.e.”. Internamente o acabamento recebia tecidos mais sóbrios e opcionais como rádio toca-fitas e alarme com telecomando. 

FAMÍLIA FIAT

Os carros da marca Fiat fazem parte da vida do corretor de seguros Thiago Carneiro dos Santos, 36 anos, morador da cidade de Jacareí, SP. Na garagem de seus pais já passaram nada menos do que sete modelos da marca italiana, logo seria natural que Thiago também viesse a ter admiração pelos veículos produzidos em Betim. 

“A linha Fiat fez parte de minha infância, meus pais sempre tiveram carros da marca, sendo 2 Fiats 147, dos quais não me recordo o ano. Tivemos também uma Pick-up City Azul que era o xodó de minha mãe, mesma época que meu pai possuía uma Fiorino 1990 bege. Após isto meu pai ainda teve um Mille ELX, e em 1996 tirou zero um Mille EP 4p verde, e no início de 1997 um Mille SX 2 portas vermelho. Este SX que foi passado para mim aos 18 anos e foi meu primeiro carro”, recorda sorridente.

O Fiat Uno Mille ELX 1994 verde Itajaí que ilustra nossa reportagem foi tirado 0 km na extinta concessionária Fiat de Jacareí, a Dijave. O carro mantém-se original mesmo ao longo desses 27 anos de uso. Para mantê-lo em dia, Thiago Santos necessitou fazer somente manutenção corriqueiras, pois o último dono já era uma pessoa zelosa. “ Quando o adquiri o carro já havia ganho um banho de tinta por fora, e em minhas mãos somente ajustei itens como antena original, escapamento, calotas, motor de arranque, limpeza e regulagem de carburação e ecobox”, diz Santos.

Por ser um Mille ELX ele está equipado com quase todos os opcionais, porém não veio com o ar-condicionado. “Ponto forte do modelo é a robustez do conjunto mecânico, Uno é  mito. Ponto fraco, é que o modelo não está equipado com ar-condicionado”, frisa. 

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