Oficina Brasil


Diagnóstico automotivo avançado - um caso prático aplicado em um Corolla 2001 com manutenção precária

Aplicar de forma correta um diagnóstico em componentes eletrônicos nem sempre é o suficiente para solucionar os problemas dos clientes, pois há outros aspectos importantes a serem considerados

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Por Diogo Vieira


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Muitos são os veículos que visitam as oficinas mecânicas com panes no sistema de injeção eletrônica.  De um lado temos o proprietário que quer o problema resolvido e de outro, o reparador que agora tem como missão sanar todas as panes daquele carro. Resolver estas panes nem sempre é tarefa fácil.

ELETROELETRÔNICA EMBARCADA
O que difere o profissional que executa um serviço de injeção de um profissional que executa serviços mecânicos, suspensão ou freios, por exemplo, é o fato de precisar recorrer a equipamentos para o diagnóstico. Um amortecedor estourado ou pastilhas de freio gastas são diagnosticados visualmente. Relativamente fácil o entendimento da causa e a solução do problema. Por outro lado, profissionais que executam serviços de eletroeletrônica muitas vezes não têm noção do que encontrarão até o momento que o scanner for plugado.  E quantas vezes o scanner não é suficiente e recorremos a tantas outras ferramentas e diagramas elétricos!

Diante de tal complexidade, deixo algumas perguntas aos leitores do jornal:

• Quanto vale um serviço que envolva eletrônica embarcada?

• Como cobrar de forma justa por um serviço desse?

Figura 1- Diagnóstico com osciloscópio de uso geral. Via USB
Diagnóstico. Tudo começa aqui
- Pode ser considerada a parte mais importante do processo.  É neste momento que se decide se o proprietário do veículo vai gastar duzentos reais ou dois mil reais. Quando o diagnóstico é certo, todos saem ganhando.  Mas caso haja um erro nesta etapa do processo, os danos podem ser irreparáveis. Não falo somente de prejuízos financeiros, mas da possibilidade de perder clientes.

Curiosamente, mesmo sendo tão importante, vemos na prática que o diagnóstico é pouco valorizado.  Há oficinas que dão diagnósticos gratuitamente ou então cobram um valor ínfimo.  

Figura 2- Conector diagnóstico 23  pinos
Diagnóstico é importante e deve ser cobrado. Oficina mecânica é uma empresa com custos altíssimos e não pode fazer favores aos clientes. Valorizar e entender este conceito é a primeira etapa para quem pratica diagnóstico avançado.  

Será que você leitor, tem consciência do valor de um diagnóstico? Cobra um valor justo ao seu cliente, mas que consiga cobrir todos os custos envolvidos?  Ou você é aquele reparador que infortunadamente “queima o mercado”?

Nem sempre um determinado sintoma é um único defeito. “O carro não pega!”, “O consumo está alto!”, “Perde potência”. Certamente que todos já ouviram tais queixas.  Mas não deixemos nos enganar. Isso são sintomas que podem ser consequência de vários problemas “trabalhando em conjunto”. É nessas horas que contam a experiência e um olhar atento sobre todo o veículo.

Testemunho a vocês que para mim é a parte mais penosa do diagnóstico. A experiência acabou revelando que nada é previsível e certo sobre o começo de um diagnóstico. Tantas são as variáveis que acabam por atrapalhar o começo do nosso trabalho. Aquele caso em que o cliente diz:  “-Vou vender o carro e não vou gastar muito!”, “-Estou sem condições para fazer toda a revisão”, “Esse carro não pode ficar muito tempo parado pois trabalho com ele!”. Acabam influenciando de forma direta ou indireta na direção do nosso serviço. A pressa, desatenção por muitos serviços na oficina ou excesso de confiança também prejudicam o serviço de diagnóstico. Temos que manter o foco. Aprender a separar a emoção da razão, deixar de lado essas circunstâncias e nos concentrar apenas na pane que foi relatada.

Aprendi na prática que temos que deixar claro para o nosso cliente que o Diagnóstico é complexo e executado por etapas. Meu conselho é que no começo do diagnóstico, explique ao seu cliente que o orçamento pode sofrer alterações. Trabalhamos em cima dos resultados apresentados por nossos aparelhos e isso demanda tempo e este pode ser o grande vilão da história.  Nosso trabalho é cobrado por hora e se não resolvermos dentro de um certo período, o prejuízo é certo.  

Vou deixar algumas dicas que poderão ajudar na formação de preço dos serviços de injeção eletrônica:

• Carros com GNV:  Se na tabela tempária diz que um serviço de regulagem eletrônica tem a duração de 4 horas corridas, veículos com GNV provavelmente durarão bem mais tempo, devido aos componentes que são instalados e que interferem no funcionamento do combustível original. Quando um veículo desses adentrar a oficina, atenção na hora de estimar o tempo de entrega e preço da mão de obra.

• Carros com acessórios:  Alarmes, rastreadores, bloqueadores de combustível (resgate) e som automotivo podem dar grande dor de cabeça ao reparador. Peça informações ao proprietário sobre a existência destes itens.

• Carros sem manutenção:  Seja um veículo da década de 90 ou do ano, o básico de manutenção deve estar em dia.  Filtros, velas, limpeza do sistema blow-by e TBI, por mais que não sejam a causa da pane reclamada pelo cliente num sistema de injeção eletrônica, merecem uma atenção especial.  Estes, mesmo que não manifestem defeitos naquele momento, se tiverem com o prazo de troca vencido ou a vencer, podem ser a causa de um possível retorno do veículo à oficina como reclamação.  A dica é resolver a pane relatada pelo seu cliente e se alguns destes itens precisar ser trocado, passe o orçamento.   Ganha o cliente que evitará uma pane no futuro e ganha a oficina que aumentará o seu ticket médio.

Veremos agora como se desenrolou o diagnóstico trabalhoso em um veículo Corolla, ano 2001, que chegou com reclamações de perda de potência e marcha lenta irregular.

A luz de injeção permanecia apagada com o carro em funcionamento. Este modelo de veículo usa um conector de diagnóstico que não atende à norma OBDII.  Lendo as falhas através de códigos de piscadas, não vimos nenhum DTC gravado na memória do veículo.

Saímos para uma volta de teste, constatamos a falha e o primeiro procedimento foi o teste de bomba com um transdutor de corrente ligado ao osciloscópio.

Na figura 3, conseguimos ver a corrente elétrica que passa pela bomba de combustível. Podemos arrancar boas informações como:  contato elétrico das escovas no coletor do induzido, a rotação da bomba e corrente nominal. Pela anormalidade do sinal, de imediato identificamos um defeito na bomba.  Fato comprovado com um manômetro, ao estrangular a saída de combustível, o ponteiro que deveria chegar próximo aos 6 bar, apresentou um pouco acima dos 3 bar (figura 4). 

Figura 3- Corrente elétrica da bomba de combustível. Captada com uma sonda amperimétrica
Figura 4- Teste da bomba de combus­tível fora do conjunto do veículo
Analisando o sistema de ignição (figura 6), as imagens do secundário apontavam para problemas graves na centelha que ocorria dentro da câmara de combustão.  

Figura 5
Figura 6- Canal 4 (lilás) demonstra falhas no secundário

Na foto 7, vemos a situação das velas de ignição.  Interessante é que o proprietário tinha informado que o motor do seu carro havia sido aberto a pouco tempo e todo o sistema de ignição havia sido trocado.  Vê-se claramente o desgaste acentuado das velas e a contaminação por uma substancia vermelha que provavelmente é óxido de ferro.  As velas não foram trocadas como relatava o cliente. 

 Figura 7- Velas de ignição com eletrodos gastos e contaminados
No alojamento das velas, percebemos um pouco de acúmulo de óleo do motor.  Providenciamos a troca da junta da tampa de válvulas e os ‘orings’ de vedação, para não danificar os cabos e velas que serão substituídos.

Na figura 8, um teste de resistência dos cabos de ignição mostrou que todos os cabos estavam com resistência infinita.  Usamos para este teste um medidor de LCR na função de ohmímetro.

Figura 8- Medindo a resistência dos cabos de ignição. Cabo avariado
Na figura 9, um cabo de ignição novo mostra uma resistência de 5.71Kohms.   O osciloscópio de imediato detecta a pane, mas o hábito de usar de outras ferramentas para comprovar o defeito é muito importante.

Figura 9- Cabos de ignição novos.  5.71 Kohms
Ainda no sistema de ignição, desmontamos a tampa do distribuidor para verificar a presença de água, marcas de fuga ou qualquer outra anormalidade.  Constatamos que o rotor estava com a ponta trincada, conforme figura 10. 

Figura 10- Rotor do distribuidor
Após reparo no sistema de ignição, obtivemos este sinal no circuito primário da bobina como mostra a figura 11.  Observar que na parte inferior esquerda da tela, o osciloscópio informa a tensão máxima que nossa forma de onda alcançou. O reparador deve estar atento às especificações técnicas do osciloscópio, pois uma tensão de 333 volts pode queimar o equipamento. No teste de altas tensões no osciloscópio hantek, usamos a sonda de teste na opção X10, atenuando o sinal e protegendo o canal do osciloscópio.

Figura 11- Primário ignição após reparo.  Tensão máxima de pico de 333 volts
Diante dos problemas encontrados acima, passamos o orçamento para o cliente, respeitando a tabela tempária para serviços de injeção eletrônica. Foi deixado claro que o orçamento estava em aberto e poderiam ocorrer mudanças. Aprovado o orçamento, montamos todos os itens e saímos novamente com o veículo para teste. Para nossa surpresa, ainda notamos o sintoma de falta de potência e a marcha lenta estava ainda anormal quando aquecido, permanecendo próximo dos 600 rpm. 

Prosseguimos nossos testes agora nos injetores. A figura 12 mostra a forma de onda que obtivemos neste modelo de veículo.

Figura 12- Tensão no injetor. Pico máximo de tensão de 58 volts
Figura 13- Captura do sinal do injetor com a sonda em x10
Um transdutor piezoelétrico como o da figura 14 foi colocado na tomada de vácuo do regulador de pressão de combustível. Nesse teste, o nosso transdutor consegue capturar cada deformação sofrida pelo diafragma do regulador de combustível na hora que o injetor abre. A figura 15 mostram que havia dois injetores com uma diferença na vazão.  

Figura 14- Transdutor de pastilha piezoelétrica. TVA (transdutor de vácuo na admissão)
Figura 15- Análise de vazão dos injetores pela tomada de vácuo do regulador combustível na flauta
Removido os injetores, tomamos mão do nosso medidor de LCR novamente para os testes de resistência.  Encontramos duas peças que marcavam 14 ohms, um injetor marcado 15.5 ohms e um marcando 23 ohms.  Nos testes de indutância, todos oscilavam próximos de 10.54 mH. 

Figura 15- Análise de vazão dos injetores pela tomada de vácuo do regulador combustível na flauta
Dois testes conclusivos (vazão e a resistência) apontaram pra anormalidades nos bicos injetores. Colocamos as peças na máquina de ultrassom para limpeza e após concluída esta etapa, no teste de equalização, vimos que dois injetores pararam de pulsar!  Justamente os que deram resistências diferentes (15.5 ohms e 23 ohms). Medindo novamente a resistência, encontramos valores infinitos nos dois injetores.

Figura 16- teste de resistência. Injetor Bom    /   Figura 17- Teste de resistência. Inje­tor após a lavagem por ultrassom   /  Figura 18- Teste de indutância
Nesta nova etapa do serviço, agora tínhamos que substituir os injetores, filtro de combustível e o kit reparo de injeção eletrônica, assim como a limpeza do tbi e da válvula atuadora de marcha lenta. Mas uma vez com orçamento aprovado, prosseguimos com a montagem e vimos uma melhora significativa, mas ainda não tínhamos um funcionamento 100%.

Figura 19- Sistema de alimentação de combustível.  Itens trocados
Conferimos então o avanço do distribuidor, que estava correto em 10° (figura 20) e o sincronismo do motor com um transdutor de pressão montado no orifício da vela, em que pudemos checar que não havia anormalidade no sincronismo.   

Figura 20- Ponto do distribuidor
Neste momento a única falha que persistia era uma marcha lenta irregular. O veículo já respondia bem nas acelerações.  Na rotina de teste dos sensores, o próximo foi a sonda lambda.  Neste modelo de veículo, para substituição da sonda, o carro deve ser colocado no elevador, pois fica na parte de baixo do veículo.  O teste de tensão pode ser capturado na tomada de diagnóstico (foto 22).

Figura 21- localização da sonda lambda
Com o veículo em funcionamento, apenas desligando a tomada da sonda lambda, rapidamente a marcha lenta que antes estava “quadrada”, foi rapidamente se normalizando. E agora com o novo sensor lambda o carro estava com um funcionamento perfeito tanto na lenta como na arrancada.

Figura 22- Pino OX  é o sinal da sonda lambda pré-catalisador
Carros com manutenção malfeita geralmente passam mais dias na oficina.  Todo o processo seguiu uma linha de raciocínio lógico, com cada etapa sendo feita de forma consciente.

Figura 23- Itens avariados que foram substituídos
Este veículo foi uma prova que um sintoma pode ter mais de uma causa.  

Essa é uma das propostas do Casos de estudo. Não só mostrar procedimentos de testes, mas implantar uma nova cultura, a cultura do diagnóstico avançado. Cultura em que os reparadores terão que ser capazes de pensar, argumentar, operar ferramentas que até então eram novidades para muitos.

Conceitos teóricos dos testes aplicados aqui podem ser adquiridos nos livros do Professor Humberto José Manavella (hmautotron.eng.br).

Até a próxima.

 

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