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Fiat Cinquecento escancara dificuldade em obter informações e peças para independentes

Uma quebra prematura de platô com apenas 25 mil km gerou um problemão para o reparador e refletiu no bolso do cliente que confia mais na oficina independe do que na concessionaria

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Por Paulo Handa


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Washington, da AtlanticCar, recebeu em sua oficina o Fiat Cinquecento Cult avaliado nesta ediçãoEste mês o veículo avaliado é o Fiat Cinquecento, um carrinho pra lá de simpático e uma evolução de um clássico dos anos 40. Cada vez mais comum nas oficinas independentes o modelo na hora da reparação mostra um lado menos atraente em função das dificuldades que apresenta ao mecânico.

Quem nos relata um caso concreto é o reparador Washington Luiz Inocente, 55, trabalha na AtlanticCar e atua no segmento há mais de 20 anos.

Recentemente recebeu em sua oficina um Fiat Cinquecento Cult, 1.4, 8 válvulas, 2011, com 25 mil km. “Ele entrou aqui e fiz um pedido do platô da embreagem na sequência, porque pra mim é motor Fire “normal”, então não me preocupei, coloquei o carro no elevador e desmontei a transmissão”.

Washington explica que o platô quebrou na membrana: “É algo que para qualquer mecânico não tem explicação, para engenharia de embreagem eu tenho certeza que não tem. Quebrar miolo, mola, gastar lâmina é uma coisa, mas aos 25 mil km quebrar lamina do platô...”.

Motor Evo flex e o processo de substituição do filtro de ar / Conjunto da transmissão removido

Segundo ele, há outros casos semelhantes que já identificou na internet, logo é um ponto de atenção para a Fiat. Neste sentido nosso reparador entrevistado reconhece que o grande campo de provas das montadoras é mesmo a oficina independente. “Por mais que a montadora teste um carro e com o dono do carro cada vez mais cedo procurando a oficina independente para serviços, o produto é efetivamente avaliado na nossa oficina”, explica Washington.

Voltando ao serviço, como ele viu que era um motor Fire, nem pensou duas vezes e tirou a transmissão e então começou o problema. “A embreagem não é igual a do Fire, não é da mesma linha, não é compatível, não é intercambiável. A furação não dá ajuste, centro de miolo, nada, nem o rolamento, nem o eixo”.

E o pior, as peças para este modelo não estão disponíveis no mercado independente, então ele contatou a concessionária Sinal, da Avenida Miguel Stefano, em São Paulo, mas ele afirma que a própria Fiat não dava resposta para a concessionária. Um funcionário de outra unidade da Sinal, da Caminho do Mar, em São Bernardo do Campo-SP, também ligou para a Fiat com o mesmo problema, e só então, mais de 40 dias depois da entrada do carro, é que Washington conseguiu falar com a ouvidoria. 

Localização do compartimento da bateria e o módulo do ABS / Volante motor

Diante desta experiência negativa, Washington aconselha outros reparadores que antes de realizar serviços no modelo não desmontem nada sem antes verificar o tipo de sistema/peças e a disponibilidade de peças: “Mexo com Fiat há tanto tempo e fui ingênuo em desmontar a transmissão antes de verificar o número do catálogo. E tem uma falha mais grave ainda: se esse carro tem um platô de 190 mm, e o que está aqui comigo é de 200 mm, como no catálogo de reposição só tem um código? Quando ele vier, será o de 200 mm ou de 190 mm? Foi então que consegui falar com a ouvidoria. Se tem dois modelos de embreagem para um modelo Cinquecento, por que no catálogo eletrônico só tem um código?”.

Segundo o profissional da Fiat que me atendeu, a peça de 190 mm é totalmente diferente, e o disco e o platô são menores. O problema é a ausência de componente, e o próprio pessoal da Fiat não sabe explicar qual é o código da embreagem de 190 mm e o de 200 mm: “Se você entrar no site Reparadores Fiat, não existe esse modelo. Esse carro não existe lá”.

Esta experiência do reparador Washington expõe uma realizada impensável para uma montadora, pois dificuldade de identificação de peças na reposição “independente” é uma realidade, pois os “partnumbers” das peças dos inúmeros fornecedores do mercado paralelo não de “conversam” e dai para solicitar uma peça errada é uma coisa corriqueira.

Caixa seca do conjunto da transmissão / Marco Pagliarini tem 42 anos de profissão

Já as montadoras, por identificarem as peças pelo número do chassi, tal situação não deveria ocorrer, porém foi o que vivenciou nosso entrevistado e sua experiência serve de alerta para outros profissionais que forem lidar com o Cinquecento. 

Porém, os problemas de “aplicabilidade” das peças não param por aí e se estendem para outros itens além da embreagem.

“O motor é basicamente um Fire, mas será que estes problemas também não atingem outras peças? Por exemplo será existe compatibilidade da biela? Quando vier um próximo Cinquecento na minha oficina , vou pensar duas vezes  antes de pegar o serviço”

Ele afirma que conseguiu pegar o número da peça, mas é um número direcionado, e para a Fiat, não existe no catálogo. As peças da montadora costumam apresentar essa numeração que ele classifica de “esquizofrênica”. 

Sonda lambda pós-catalisador: chicote apresenta cores diferentes para não causar erro de instalação dos sensores / Conjunto da transmissão manual de 5 marchas

“Você digita aquele código e o programa me avisa ‘peça cancelada; não fornecemos mais’. Em seguida, ele dá a disponibilidade; foi mudado o chassi, e pelo número do chassi e o ano foi adotada essa nova peça. Sei de profissional que já foi até a China buscar isso. Já vi reparador implorando ‘pelo amor de Deus, só quero comprar a peça’, mas os fornecedores se defendem, dizem que o problema foi mau uso, tentam desviar do fato de que não têm o componente. O que interessa quem quebrou a peça?”

Segundo ele, facilmente se encontra na internet uma série de relatos com o mesmo problema com esse tipo de veículo, que fica parado porque a peça parou de engatar; os profissionais tiram, o platô está quebrado e isso na verdade é um problema que deveria ser resolvido pela Fiat: “Ela tinha que resolver gratuitamente porque, até onde sei, existe uma lei de recall que indefere o ano do veículo. Mas a legislação não funciona. E se pegar esse platô e levar ao Inmetro, para um laudo, e constatar que foi falha de material e que, para resolver, ele vai gastar uns dez mil reais? Se é nos Estados Unidos ou na Europa, o dono do carro faz isso e está resolvido, em 30 dias”.

Localização do sensor de fase / O console do veículo apresenta muita dificuldade na remoção do filtro do ar-condicionado

Washington ressalta que o Cinquecento é um carro mundial, encontrado na Itália, na França, na China e no Japão. “Eles me colocam um carro mundial no Brasil mas não tem peça de reposição e a informação para aplicação de peças é desconexa e olha que eu sempre trabalhei com catálogo eletrônico, desde o tempo em que era em disquete”, lembra.

Há outros casos para Washington de falta de peças Fiat; ele afirma já ter tido problema com o Marea, o Alfa Romeu e o Stilo. 

Os problemas com a FIAT também existem parao reparador Marco AntonioPagliarini e relata uma situação difícil  com a manga do eixo dianteiro do Stilo. 

Também Ouvido na material Marco Pagliarini tem 52, está há 42 anos na reparação automotiva. Iniciou como ajudante de mecânico, se atualizou com cursos e palestras no Senai. Hoje, trabalha por contra própria -tem sua oficina na Rua Oliveira Melo, em São Paulo.

Tivemos dificuldade para posicionar no elevador / Interior do para-choque dianteiro: existe pouco espaço e muitos itens para desmontar

“Tenho tido muito problema com peças da Fiat, recentemente um caso grave com peças para o ABS e atitude da concessionária não foi legal, pois primeiro vendeu e depois disse que não tinha...” reclama. 

Ele afirma que isso tem acontecido na Fiat com frequência. “Peguei um Alfa que tem um tampão de borracha que vai atrás. A Fiat não tem. Deixei o telefone, passaram-se duas, três horas e ligaram: ‘esse componente a gente não fabrica, mas conseguimos uma equivalente, quer que eu mande uma foto?”. Segundo a explicação recebida por Marco a peça era de outro fornecedor e não está mais disponível para reposição na Fiat, que acaba comprando peças de outros fornecedores. 

REPARABILIDADE 
Módulo de controle do motor: falta etiqueta de identificaçãoEste item é muito importante para o reparador, pois a reparabilidade define os carros bons e maus de “serviço”, ou seja,a facilidade ou não de acesso aos componentes a serem substituídos/reparados e a “lógica” de manutenção. Há veículos cujofabricante parece que os desenhou pensando na manutenção, são os de ótima reparabilidade e os preferidos dos mecânicos, porém há outros que aparentemente a engenharia caprichou em torná-los inacessíveis, o que é uma dor de cabeça para os profissionais, pois serviços banais de manutenção se tornam desafios trabalhosos e cheios de riscos. 

Além desta situação inicial, Washington e a equipe encontraram dificuldades para colocar o carro no elevador, porque o veículo tem uma saia e um espaço minúsculo para acomodar no elevador. E os desafios do pequeno Fiat não param por aí...uma simples troca do filtro do ar condicionado requer a desmontagem do console inteiro! Também para remover a caixa do filtro de ar do motor, é preciso tirar o sensor do capô dianteiro do alarme: “Ao trocar o filtro de ar, se for um reparador experiente, tudo bem, mas em uma troca de óleo no posto, o atendente não vai ter o capricho de tirar o sensor do ar e colocar na frente”, analisa.

A retirara da caixa do filtro de ar, para Washington, foi extremamente trabalhosa. Ele defende que a Fiat poderia adotar um recorte maior na saia, um dos problemas no carro. Se a saia plástica não estiver colocada, ela arrebenta.

Depois destes casos insólitos de falta de reparabilidade, no quesito motor, o “velho”Fire, ele acredita que não há grandes obstáculos. Mas no conjunto da transmissão os desafios recomeçam... “Para remover a caixa, houve um problema meio complicado. No site Reparador Fiat, eles mandam remover o para-choque. Até comecei, mas é tanta coisa delicada ligada ali, que imaginei que não daria certo”.

Contrariando a informação oficial da Fiat, ele mudou o modo de atuar, pegou a catraca pneumática, passou o braço por dentro para tirar uma longarina parafusada na frente do carro – e tudo isso já representou uma grande complicação. Mas funcionou!

“Esse carro nunca foi para concessionária, porque nunca apresentou problema. Quando o cliente o trouxe para mim da primeira vez, foi para uma simples troca de óleo. A troca do filtro de ar, do óleo e a inspeção de tirar as velas são idênticas aos motores Fire, usados na linha Palio, então não têm problema nenhum.”

Esta situação ilustra bem a preferência do dono do carro pela oficina independente pois,  praticamente, foi a primeira revisão deste Cinquecento e aconteceu na oficina do Washington, assim caro leitor, prepare-se, pois seus clientes que tiverem um carro destes em breve estarão chegando na sua oficina.

Washington explica que fez no carro as manutenções tradicionais: “tanto pelo aspecto dasmanutenções preventivas quanto corretivas fica claro que este fiatizinho dá trabalho”.

INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Com referência à informação técnica, Washington afirma que a situação da Fiat tem piorado nos últimos tempos e neste modelo específico, é só uma extensão dos problemas já encontrados para identificar a correta aplicação das peças como relatado anteriormente e dá um exemplo prático:

“O número do sistema de injeção eletrônica nem aparece no sistema da Fiat. É um sistema EVO 1.4, 8 válvulas. Se você começar a procurar pela peça, já é um problema desde o início. Deveria ser mais compatível. Mas não, você compra e não tem mais a peça. Aí, a concessionária vai te vender outra coisa, o painel vai ficar piscando.”

Para ele, todo o processo é muito truncado exatamente pela falta de suporte e atenção da montadora: “Você vai fazer um reparo, procura um parceiro, tenta negociar os preços, entender todas as marcas envolvidas... Quanto é para fazer a qualidade de eletrônica? Daí, tem chicote, e é aquela lambança, o sistema é Marelli, o pedal é Bosch, o corpo de borboleta é Delphi... O reparador, coitado, não consegue mexer no carro, ele fica parado por 45 dias e a culpa é do profissional. Espero que a Fiat veja isso como uma crítica construtiva”.

Essa é a tampa do reservatório de expansão: modelo diferente dos utilizados nos carros com motor Fire / Este é o flexível do escapamento do Fiat 500

Para Marco, o grande problema é a engenharia: “Ela é igual ao código AVD; ele não tem a letra seguida de cinco números, só que a engenharia tem mais dois números do lado direito. Eles falam que são códigos restritos. O software mostra para eles onde está o problema, mas eles não abrem o protocolo para o reparador. Às vezes, nem a montadora sabe o motivo”.

“Se a montadora não libera informação a saída seria o sistemistas, mas estes também tiram o corpo fora e sobra para nós reparadores independentes que ficamos a ver navios...” reclama.

A experiência negativa, evidenciada por esta material,na realidade da manutenção do simpático carrinho da Fiat indica que a montadora depois de esboçar uma política mais voltada para a reparação independente – com consequente vantagem para seu cliente (que tem um carro Fiat) mas prefere o serviço da oficina independente – retorna a uma estratégia com foco no dono do carro Fiat que usa o serviços de suas concessionarias.

 

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